Prosimetron

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quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Os meus franceses - 731



A Piaf

Esta voz que sabia fazer-se canalha e rouca,
ou docemente lírica e sentimental,
ou tumultuosamente gritada para as fúrias santas do “Ça ira”,
ou apenas recitar meditativa, entoada, dos sonhos perdidos,
dos amores de uma noite que deixam uma memória gloriosa,
e dos que só deixam, anos seguidos, amargura e um vazio ao lado
nas noites desesperadas da carne saudosa que se não conforma
de não ter tido plenamente a carne que a traiu,
esta voz persiste graciosa e sinistra, depois da morte,
como exactamente a vida que os outros continuam vivendo
ante os olhos que se fazem garganta e palavras
para dizerem não do que sempre viram mas do que adivinham
nesta sombra que se estende luminosa por dentro
das multidões solitárias que teimam em resistir
como melodias valsando suburbanas
nas vielas do amor
e do mundo.

Jorge de Sena

2 comentários:

bea disse...

O vídeo não está visível, mas o poema de Sena é sublime no dizer dessa mulher de voz tão inenarrável.

MR disse...

Vou postar outro vídeo para ver se não desaparece.
Ainda bem que gostou do poema do Sena.
Boa semana!