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quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Os Ballets Russes em Lisboa


Tendo-se apresentado já nas principais cidades europeias (Paris, Bruxelas, Londres, Monte-Carlo, Roma, Berlim, Viena, Genebra, Barcelona, São-Sebastião, ou Madrid), na América do Sul e nos Estados Unidos, os Ballets Russes chegam finalmente a Lisboa, em dezembro de 1917. A impossibilidade de atuar nos grandes palcos europeus, devido à Primeira Guerra, coroam de êxito os esforços iniciados por empresários portugueses, um ano antes, de trazer a companhia a Portugal. Prevista para outubro de 1917 (data do manifesto Os Bailados Russos em Lisboa, assinado por Almada, José Pacheco e Ruy Coelho), a apresentação dos Ballets Russes ao público lisboeta dar-se-ia entre 13 e 27 de dezembro de 1917, no Coliseu dos Recreios, e nos dias 2 e 3 de janeiro de 1918, no Teatro S. Carlos (reaberto para a ocasião). Das representações portuguesas da célebre companhia constam os bailados: Les Sylphides (estreado em 1909, com música de Chopin, coreografia de Fokine e cenários e figurinos de A. Benois); Shéhérazade (1910; Rimsky-Korsakov; Fokine; Bakst); Le Spectre de la Rose (1911; Weber; Fokine; Bakst); Scènes et Danses Polovtsiennes du Prince Igor (1909; Borodine; Fokine; Rœrich); Soleil de Nuit (1915; Rimsky-Korsakov; Massine; Larionov); Carnaval (1910; Schumann; Fokine; Bakst); Thamar (1912; Balakirev; Fokine; Bakst); Les Papillons (1914; Schumann; Fokine; Dobujinsky e Bakst); Sadko (1911/1916; Rimsky-Korsakov; Fokine/A. Bolm; Anisfeld/Gontcharova); Cléopatre (1909; Arensky, Taneyev, Rimsky-Korsakov, Glinka, Glazunov, Mussorgsky; Fokine; Bakst); Les Femmes de Bonne Humeur (1917; Scarlatti; Massine; Bakst); Narcisse (1911; Tcherepnine; Fokine; Bakst); Le Festin (sob este título, a companhia apresentou, ao longo dos anos, várias selecções de trechos do seu reportório); Las Meninas, sob o título de «Pavane» (1916; Fauré; Massine; José-Maria Sert); e, sob o título de «Danse des Bouffons», Le Pavillon d’Armide (1909; Tcherepnine; Fokine; A. Benois). Apostando sobretudo em criações mais antigas (estreadas entre 1909 e 1912) e mais fáceis do ponto de vista musical, coreográfico e plástico, a companhia oferece porém a Lisboa algumas das suas produções mais recentes (Les Femmes de Bonne Humeur, estreado em Roma em 1917; e Las Meninas, estreado em San Sebastián em 1916), e duas obras com cenários e figurinos de vanguarda: da autoria de Larionov (Soleil de Nuit, 1915) e Gontcharova (nova versão de Sadko, 1916).
A grande maioria do público e da imprensa portuguesa da época não soube apreciar devidamente o que então se lhe oferecia, dividindo-se as opiniões entre o «aplauso inconsistente» e a «reprovação imbecil» (José Sasportes - História da Dança em Portugal, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1970, p. 265). Revela-se porém neste contexto o primeiro crítico de bailado português, Manuel de Sousa Pinto, relativamente bem informado e aberto à modernidade. As suas «Impressões dos Bailados Russos», publicadas na revista Atlântida (dezembro de 1917 e janeiro e fevereiro de 1918), serão ilustradas por outro admirador da companhia, este, incondicional e apaixonado, o modernista Almada Negreiros. Autor (único, segundo afirmaria em 1925) do manifesto Os Bailados Russos em Lisboa, distribuído no Coliseu e inserido em Portugal Futurista, Almada, enquanto artista multiforme e defensor da arte moderna, vive intensamente a estadia dos Ballets Russes em Lisboa: convive intimamente com Massine e Diaghilev (que assiste à preparação de A Lenda d’Inez, bailado de Almada nunca representado, levando consigo o argumento, a planificação e os desenhos dos cenários e figurinos do português); realiza e projeta bailados, na esteira dos russos, enquanto dançarino, coreógrafo e decorador (como A Princesa dos Sapatos de Ferro ou O Jardim da Pierrette, ambos de 1918); e sofre a influência estética de Larionov e Gontcharova (visível nos figurinos para A Rainha Encantada, outro projeto de bailado, datado de 1918). Não tendo assistido nunca a uma representação do emblemático Parade, Almada conserva no entanto o programa da estreia parisiense (Espólio de Almada Negreiros na posse dos seus herdeiros).

Sara Afonso Ferreira


Na exposição, comissariada por Ricardo Marques, Portugal Futurista e outras publicações de 1917, na Biblioteca Nacional de Portugal até final do ano, há um painel dedicado aos Bailados Russos e sua passagem por Lisboa.
Colagens de Ricardo Marques.

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