Prosimetron

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sexta-feira, 11 de junho de 2010

RUA DE ROMA


Quero uma rua de Roma
com seus rubros com seus ocres
com essa igreja barroca
essa fontexxx esse quiosque
aquele pátio na sombra
ao longe a luz de um zimbório
mais o cimo dessa torre
que não tem raiz no solo
Em troca darei Moscovo
OsloxxTóquio Banguecoque
Fugaz e secreta à força
de se mostrar rumorosa
só essa rua de Roma
em cada nervo me toca
Por isso a quero assim toda
opulenta de tão pobre
com o voo desta pomba
o rimbobar desta moto
com este bar de mau gosto
em cuja esplanada tomo
este espresso após o almoço
à tarde um campari soda
Em troca darei Lisboa
LondresxxxRioxxxNova Iorque
toda a prataxxxtodo o ouro
que não tenho em nenhum cofres
ó no cotão do meu bolso
e no que a pátria me explora
Quero essa rua de Roma
Aqui onde estou sufoco
Aqui as manhãs irrompem
de noites que nunca morrem
Quero esse musgoxxxessa fonte
essas folhas que se movem
sob o sopro do siroco
ora tépido ora tórrido
frente à igreja barroca
tão apagada por foram
as que do altar ao coro
por entro aparece enorme
Quero essa rua de Roma
castaxxxrugosaxxxremota
Em troca darei as lobas
que não aleitaram Rómulo
mas que me deixaram na boca
o travo do transitório
Quero essa rua de Roma
sem conhecer quem lá mora
além da madonna loura
misto de corça e de cobra
que ao longo de tantas noites
tanta insónia me provoca
Quanto às restantes pessoas
inventarei como sofrem
Quero essa rua de Roma
Terá de ser sem demora
Sabemos lá quando rondam
abutres à nossa roda
Mas não me lembro do nome
da rua que assim recordo
soberba se bem que tosca
direita se bem que torta
com um Sol que tanto a doura
como a seguir a devora
Em troca darei o troco
do que por nada se troca
o florescer de uma bomba
o deflagrar de uma rosa
Quero essa rua de Roma
AmanhãxxxOntemxxxAgora
Que importa saber-lhe o nome
se a trago dentro dos olhos
Há uma igual em Verona
Outra ainda mais a norte
Outra talvez nem tão longe
num burgo que o mundo ignora
Outra que apenas se encontra
onde a paixão a descobre
Mas rua sempre de Roma
Romana em todo o seu porte
mistura de alma e de corpo
aquémxxxalémxxxdo ilusório
Romana mesmo que em Roma
não haja quem a recorde
Onde quer que o sexo a sonhe
e o coração a coloque
é lá que todo sou todo
Aqui nãoxxxAqui não posso

David Mourão-Ferreira
In: Os ramos os remos. Porto: Areal, 1985, p. 25-28

2 comentários:

APS disse...

Belíssima escolha, MR,de um poema de que me não lembrava, de todo.
E com um ritmo cantante extremo e delicioso.

MR disse...

O David tem muita coisa sobre Itália: tinha uma paixão por este país. Amanhã ou depois, colocarei mais um 'texto' dele.