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segunda-feira, 20 de junho de 2011

Resposta à Ana - "Em Mértola"




Pois, em primeiro lugar, há que chamar a atenção para aquele quadrado no cantinho superior esquerdo (que em heráldica, qual país das maravilhas, é direito) com uma “coisa” que pode ser um trifólio. É uma diferença e, com grande probabilidade, diz-nos que o comendatário da pedra se deu ao trabalho de solicitar uma carta de armas.

Se a pedra fosse mais antiga (leia-se, da 1.ª metade do século XVIII ou anterior), podia ser mesmo o único testemunho de tal documento, dado o desaparecimento dos registos no grande terramoto. Não parece ser o caso, pelo estilo da mesma.

Isto dito, a identificação do teor do escudo passa, em primeiro lugar, pela identificação da partição. Uma leitura breve (e errónea) faria supor um partido (divisão vertical), tendo no primeiro (a parte que está à esquerda, ou seja, à dextra :) cortada.

Mas não é assim, já que esta divisão do campo não está, por sua vez, igualmente dividida. Estamos, assim, perante um partido, combinando duas armas.

O que poderia ser, assim, um cortado (divisão horizontal) de, por exemplo, Pereira e Mota ou Guedes, passa a ser, com muita probabilidade, as armas de Rodrigues.

Na descrição de Braamcamp Freire, que há 100 anos estava em plena presidência da Constituinte (clin d’oeil aos nossos JAD e MR), “De [oiro], cinco flores de lis de [vermelho]; chefe do [mesmo] carregado de uma cruz florida e vazia do campo” (Armaria Portuguesa, pg. 436).

Deixei acima a página do Livro do Armeiro-Mor onde surgem as armas destes Rodrigues, conjuntamente com as dos Refoios e dos Moreiras, a que se juntam as mais enigmáticas dos “Barvanças”, que muita especulação têm motivado (mas isso são outras contas).

No segundo (o que fica à nossa direita, logo a esquerda heráldica), temos as armas, significativamente mais complexas, de uma família Bravo. Mais uma vez transcrevendo a descrição de Anselmo Braamcamp Freire (pg. 572), “de [azul], castelo de três torres enxaquetado de [oiro] e [vermelho], com portas e frestas de [negro], assentado sobre um mar de [prata] e [azul] em ponta; cada uma das torres laterais sobrepujada de uma águia estendida de [negro]; no remate da porta um escudete de [azul] carregado de três flores de lis de [oiro], e no vão dela, como que remetendo, um leão rampante de [oiro]” (actualizei a ortografia para a versão anterior ao ugh! actual AO e “corrigi” dois vocábulos; os parêntesis rectos indicam as cores que, naturalmente, não estão na pedra, nem na representação convencional, de traços e pontos, chamada de Petra Sancta).

Desconheço as origens destas armas de Bravos (ABF parece aduzir origem no país vizinho), mas um castelo com águias, com as armas de França na porta e atacado por um leão, terá história para contar.

Voltando ao nosso rincão, o mais provável seria o armigerado chamar-se Rodrigues Bravo e só com muita sorte ter parentesco com as famílias destes apelidos que efectivamente começaram a usar tais armas. Contudo, nada sei de concreto a esse respeito.

Para encontrar o dito armigerado, com auxílio da Armaria Portuguesa e do Archivo Heráldico-Genealógico, do Visconde de Sanches de Baena (que diriam os dois se se vissem assim “juntos”!), parece-me que não há que ir mais longe do que a entrada n.º 328 desta última obra.





A pedra de armas, parecendo já do século XIX, não desmente esta grande possibilidade para não dizer certeza, o que se teria mais se o Visconde tivesse tomado nota e publicitado as diferenças concedidas em cada carta de armas).
Falta dizer que o timbre parece realmente o de Rodrigues, que é um leão nascente (de ouro), com uma flor de lis na espádua.

Aqui está e desculpe o arrazoado!

4 comentários:

Jad disse...

Quem sabe, sabe!
Obrigado, também, pela minha parte. Também gostei da piscadela!

ana disse...

JP,
Muito obrigada pela sua excelente explicação.
A heráldica alia ao simbolismo a estética, resultando a beleza que aqui expôs.

Grata!
Ana

LUIS BARATA disse...

Quem sabe um post que poderá converter-se em artigo...

JP disse...

Disponha! :)