Prosimetron

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terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Humor pela manhã



(...) Errol Flynn e Raoul Walsh lamentaram não se terem despedido do amigo em vida, um último glorioso copo antes da cova. Foi cada um para seu lado.
Mas a cabeça irlandesa de Walsh não lhe dava descanso e um raio fulgurante pô-lo à porta da funerária. Era amigo dos Malloys e pediu-lhes que o deixassem levar  o corpo para um último passeio. Meteu o cadáver no carro e foi até casa de Flynn. Chamou o mordomo para o ajudar, dizendo-lhe que Barrymore estava com uma bebedeira das antigas. Pondo-lhe um copo de gin à frente, o mordomo comentou : " Senhor Walsh, nunca tinha visto o senhor Barrymore tão bêbedo, dir-se-ia que está morto. " E foi preparar um café quente para reanimar o realíssimo actor.
Ouve-se, então, o carro de Flynn a chegar. Walsh sentou-se num sofá, como se estivesse em amena cavaqueira com o amigo John. Flynn entra, pousa uns papéis numa mesa, volta-se e vê Barrymore sentado num cadeirão. Dá um berro do outro mundo e foge dali a sete pés. Walsh vai atrás dele, já o actor está escondido, flor de estufa, atrás de oleandros e buganvílias. " Irlandês cabrão, sai de minha casa, antes que eu tenha um ataque cardíaco. " Walsh volta à sala, e está o mordomo aaa tentar convencer Barrymore a ingerir o cafezinho retemperador. Pega no amigo e vai-se embora. Pelo retrovisor, ainda vê o pálido Errol Flynn a sair do meio dos oleandros.
Walsh redimiu-se, ajudando a preparar o cadáver. Penteou-o tal qual como John gostava de usar o cabelo. Vestiu-lhe o fato mais bonito. Com Flynn, Clark Gable, Spencer Tracy, carregou a urna durante o funeral. A primeira geração de Hollywood ia a enterrar. Nunca mais houve melhor. Não é só por terem sido pioneiros: havia amor entre eles. Era rijo, mas era amor.

- Manuel S.Fonseca, no Expresso do passado sábado.