Prosimetron

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domingo, 23 de novembro de 2014

Casos do 14

O Elias
Elias tinha uma tara
qual era ninguém sabia.
Tinha atracção por gravatas
grenás e às pintinhas brancas
e engraxava os sapatos
sempre encostado às esquinas.
Trabalhava ai trabalhava
sentado e todo dobrado
com a mão a servir de pala
por causa da luz do sol
que entrava pelo gabinete
onde a preencher documentos
era como ele dizia
um autêntico portento.
Mal acabava o trabalho
sumia-se pelas vielas
caminhando empertigado
sacudindo o pó dos ombros
do seu casaco azulado
e para esticar os punhos
da sua camisa branca
levava as mãos aos sovacos
e logo de imediato
num gesto bem computado
puxava os punhos com os dedos
com tão grande precisão
que fosse qual fosse a mão
quando tinha que os puxar
os punhos obedeciam sem falhar.
E assim era o Elias
no seu vulgar dia a dia.
Até que um dia
a empregada da pensão
onde vivia o Elias
vai dar com ele de pé
em frente à televisão
de cuecas e em peúgas
numa grande convulsão
na altura que o Santo Padre
em plena praça de S. Pedro
de costas e em saiote
abrindo os braços benzia
uma enorme multidão.

Eduardo Valente da Fonseca, Casos do 14. Porto: Cadernos do Caos, p. 57-59.

Conheci o escritor/jornalista através da Livraria Lumière e achei que o retratado no poema ligava bem com o retrato pintado por Jean Fouquet.
Boa tarde!

2 comentários:

Cláudia Ribeiro disse...

Também li recentemente alguns poemas de Eduardo Valente da Fonseca e gostei.

Um beijinho.:))

ana disse...

Cláudia,
Achei graça ao modo diferente de fazer poesia.
Beijinho.:))