Prosimetron

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quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A NOITE

Mas a noite ventosa, a noite límpida
que a lembrança somente aflorava, está longe,
é uma lembrança. Perdura uma calma de espanto,
feita também ela de folhas e de nada. Desse tempo
mais distante que as recordações apenas resta
um vago recordar.

xxxxxxxxxxÀs vezes volta à luz do dia,
na imóvel luz dos dias de Verão,
aquele espanto remoto.

xxxxxxxxxxPela janela vazia
o menino olhava a noite nas colinas
frescas e negras, e espantava-se de as ver assim tão juntas:
vaga e límpida imobilidade. Entre a folhagem
que sussurrava na escuridão, apareciam as colinas
onde todas as coisas do dia, as ladeiras
e as árvores e os vinhedos, eram nítidas e mortas
e a vida era outra, de vento, de céu,
e de folhas e de coisa nenhuma.

xxxxxxxxxxÀs vezes regressa
na imóvel calma do dia a recordação
daquele viver absorto, na luz assombrada.

Cesare Pavese
In: Trabalhar cansa / trad. Carlos Leite. Lisboa: Cotovia, 1997, p. 65

Para c.a., depois de ter lido outra «Noite» de Pavese n'A Casa Improvável.


Gorni Kramer (1913-1995) e a sua banda.

1 comentário:

c.a. (n.c.) disse...

Belíssimo poema, MR. Também gostei da banda sonora. Obrigado!