Prosimetron

Prosimetron

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

PENSAMENTO(S) - 214

Nicolas Poussin, Et in Arcadia ego/Les bergers d'Arcadie, 1637-38, óleo sobre tela, Louvre. ( O segundo quadro de Poussin, e mais conhecido, com o mesmo título. E o mais belo e enigmático. Uma das poucas reproduções que tenho em casa. )

O PODER DAS IMAGENS

Há quem veja a dor como uma enxurrada e há quem a veja como um dique ( ambas já citadas ). É muito mais usual a primeira imagem. As duas imagens não são equivalentes e os pontos de vista que as engendram não coincidem. Na primeira, vemos a dor como força que se despenha sobre a vida, que arrasta a vida; na segunda, a alegria é uma corrente que inunda. Na verdade, não podemos ser inundados, banhados, inebriados pela dor. Isso é coisa da alegria.
Surpreendemos uma espécie de equivalência desta desproporção na tradução incorrecta de Et in Arcadia ego- comum a partir do séc.XVIII-, que subverte inteiramente o elemento elegíaco. Em vez de « também na Arcádia, na terra onde escorre o leite e o mel, eu, a morte, continuo a ferir os mortais», temos: « Também eu, que vou morrer, conheci a alegria» ( Goethe escolheu a expressão para epígrafe da primeira edição da Viagem a Itália ). Trata-se da diferença entre considerar que a felicidade está sempre ameaçada pela voracidade da morte e considerar que o horror da morte não pode apagar a felicidade que se viveu. Sobretudo se foi guardada num « vaso de alegria ».

- Maria Filomena Molder, in Sobre a Alegria - À memória de Olímpio Ferreira, na Intervalo #4, Fevereiro de 2010.

Sem comentários: