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domingo, 21 de julho de 2013

2013 - Os voláteis do Beato Angélico

Os voláteis do Beato Angélico é o título de um ensaio, escrito por Antonio Tabucchi, que foi escolhido, também, como título a um pequeno volume de ensaios, publicado em Lisboa, em 1989 (a versão italiana é de 1987). É, portanto, já um ensaio antigo, mas no qual eu encontrei o tema para falar destes dias que correram desde o dia 2 até ao dia 21 de Julho, no que a Portugal diz respeito.
"Frei Giovanni de Fiesole continuava interiormente a chamar a si próprio Guidolino, o nome que, pelo claustro, deixara no mundo; encontrava-se na horta a apanhar as cebolas."
 Nessa horta caíram três voláteis: um, num dia, e os outros dois, no dia seguinte. Ficaram enredados quer na pereira, quer no rosmaninho, quer nas alfaces. Salvos do enredo colocou-os sob a sua proteção. Por dias Giovanni deixou o seu trabalho de hortelão... sonhou e teve sonhos que lhe pareciam realidades do passado, do tempo que antecedera a sua entrada no claustro. Do tempo em que se chamava Guidolino. Olhou para a obra que queria deixar como marca da sua passagem pelo mosteiro, as pinturas a fresco nas diferentes celas e que ainda não tinha tido tempo para acabar, para lhe dar a marca da sua originalidade. Transformou mensagens que lhe chegaram em sonho, ou sonhos, assim como as recordações do passado e pintou os três voláteis como personagens da sua história. Tendo a certeza que o padecimento de Cristo, na crucificação, era vontade de Deus, usou esses três voláteis como seres divinos "que, quais instrumentos do destino celeste, se prestassem a reforçar os pregos nas mãos e nos pés de Cristo". Os frades que o viam a pintar apenas diziam em coro: «oh»!
Passou o tempo, pintando e esquecendo-se até de comer. Um, após outros, todos os três voláteis foram sendo pintados. O último, genuflexo, com as mãos sobre o peito numa atitude de reverência... entrava numa Anunciação... «a Virgem, desenho-a amanhã, só terás de resistir esta tarde e depois já podereis partir».
Frei Giovanni sentia-se cansado. "Sentia também a saudade que dão as coisas que terminam e depois já não há mais nada a fazer". Foi até à gaiola e os voláteis tinham desparecido... ficara apenas o seu cheiro. "Frei Giovanni julgou sentir um perfume intenso de basílico, mas na horta não havia basílico, havia era as cebolas, que tinham ficado por apanhar uma semana inteira e se calhar já se estavam a passar e dali a pouco já não estariam boas para fazer a sopa. Por isso foi apanhá-las antes que apodrecessem".
 
 
Ave fotografada por Alison Bartlett. 
Uma fotógrafa, da vida selvagem, cega.
 
Será que Cavaco ainda consegue apanhar as cebolas? Julgo que esqueceu o seu lugar, no "claustro"... e pensou no passado e nos seus outros tempos. Sonhou que tinha na mão instrumentos do destino celeste. Neste tempo que passou apenas acrescentou personagem a frescos incompletos e que incompletos ficaram. Amanhã dará mais um retoque na Anunciação. Julgo que vai tudo ficar na mesma. As cebolas é que estão quase podres e podem já não servir para fazer sopa. Quem será o volátil que ficará pintado em genuflexão?
 
 
 

6 comentários:

ana disse...

Excelente.
Vou procurar este livro pois o tema é apaixonante.
Quanto à fotografa, que estranho, como é que é possível?
Tenho que investigar.
Viva Jad.

MR disse...

Esta noite, saberemos.

Jad disse...

Eu nada sei, mas deixando as celobas de molho em água dizem-me que ficam doces...

MR disse...

As celobas?! :-)))

Jad disse...

As cebolas :-)))))

Jad disse...

Pois é, a gaiola ficou mesmo vazia. Restam as cebolas.