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terça-feira, 29 de abril de 2014

25 de Abril e Adriano


Privei com Adriano Correia de Oliveira durante dez anos, até pouco antes da sua morte prematura, aos quarenta. Uma voz de privilégio, um talento na transformação da poesia portuguesa em canto, um amigo de enorme generosidade e dedicação, um empenhado militante de intervenção. A sua canção “O Senhor Morgado” sobre poema do Conde de Monsaraz, música de José Niza e orquestração de Rui Ressureição, dois amigos que também já nos deixaram, adapta-se extraordinariamente a este 25 de Abril, onde o País mais que nunca se dividiu. O poema de Monsaraz, apesar de retractar o Portugal rural e caciqueiro do século XIX, cantado de forma extraordinariamente irónica, ajusta-se aos tempos de hoje:
O Senhor Morgado vai no seu murzelo / Todo empertigado / É um gosto vê-lo / Próspero, anafado / Veste alentejana / Calça de riscado / Homem duma cana / Vai como se ufana / De ir tão bem montado / E ela na janela / Seja Deus louvado 
O Senhor Morgado / Vai nas próprias pernas / Todo barbeado / Tem palavras ternas / Para cada lado / Quando passa sente / Que é temido e amado / Fala a toda a gente / Toca um insolente / Sou um seu criado / Eleições à porta / Seja Deus louvado 
O Senhor Morgado / Vai na sege rica / Todo repimpado / Ai que bem lhe fica / O chapéu armado / A comenda ao peito / O espadim ao lado / Que homem tão perfeito / Deputado eleito / Muito bem votado 
E ela na janela / Eleições à porta / Vai para o Te-Deum / Seja Deus louvado
Lembrar Adriano e tantos que já partiram é a nossa lembrança dos valores de Abril.

António Correia de Campos
In: Público, Lisboa, 28 abr. 2014, p. 44

3 comentários:

Jad disse...

Quase Cabaré... como o desta noite.

MR disse...

Sim, este país parece um Cabaret Alemão à portuguesa.

MR disse...

É mais um cabaré português ao toque da Alemanha.