Prosimetron

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sábado, 6 de setembro de 2008

Impressões de Outono

Desnecessário dizer que Paris vale sempre uma viagem. Tal como acontece em visitas a outras metrópoles, “cumprimos” o circuito turístico obrigatório na primeira homenagem à Cidade Luz, para, em estadias posteriores, nos dedicarmos a programas de lazer puro: a componente cultural, com exposições temporárias e espectáculos convidativos, será prioritária; a componente “lifestyle” poderá ser acessória, no caso de Paris ou Londres talvez mais do que isso…. Existem, no entanto, pontos fixos que merecem visitas repetidas: atraem, ou por uma força inexplicável, ou por recordações de momentos aí vividos que guardamos no nosso íntimo e que nos levam a tempos longínquos, por vezes partilhados com alguém igualmente já muito longínquo… No caso da capital do hexágono, refiro-me ao Jardim do Luxemburgo no 6º arrondissement. Numa ida a Paris, ofereço-me sempre um passeio neste espaço. Adulterando (um pouco...) as palavras de Henrique IV, diria que “le Jardin du Luxembourg vaut bien une visite”.
Em 1611, Maria de Médicis adquiriu o “Petit Luxembourg” à família de Pinay-Luxembourg após o assassinato do seu marido. Entre 1612 e 1622, foi construído o palácio da autoria de Salomon de Brosse. O estilo renascentista do edifício, nas suas linhas semelhante ao Palazzo Pitti, situava a soberana florentina num ambiente familiar bem italiano. Longe dos acontecimentos do Louvre, esta morada serviria de refúgio à viúva. As edificações bem como o jardim sofreram múltiplas alterações ao longo dos séculos. O terreno que hoje conta cerca de 25 hectares foi pertença de diversas famílias nobres. A extensão e as confrontações actuais devem-se aos planos de Haussmann. O complexo dos edifícios inclui a sede do Senado francês e uma Orangerie. Rousseau e Diderot e muitas outras individualidades da filosofia, literatura, música e pintura inspiraram-se no jardim.

O que torna o Jardin du Luxembourg tão especial? A meu ver, é exemplo perfeito de uma harmonia única. O jardim, composto de vários jardins, quer de concepção francesa, quer de fisionomia inglesa, convivem com os palácios e anexos de forma uníssona. Os elementos decorativos são simplesmente belos: os canteiros com flores, o relvado cuidado, as palmeiras, as fontes (entre elas a fonte de Médicis), ou as estátuas que imortalizam ilustres visitantes de outros tempos constituem uma unidade em que reinam a estética e a perfeição. Esta harmonia transmite-se naturalmente no público deste espaço, com um efeito quase terapêutico, diria eu. Famílias, estudantes do Quartier Latin e muitos outros parisienses vivem este jardim: para ler, reflectir, namorar, praticar diversas modalidades de desporto, descansar ou observar apenas. É-me difícil explicar o “segredo” por detrás do fascínio deste Jardin. As crianças dão-nos uma das impressões mais encantadoras: os modelos de barcos que “invadem” a fonte principal requerem uma condução profissional que os pequenos parisienses, por vezes com alguma ajuda dos pais, dominam com sabedoria (claro, algumas colisões são inevitáveis…). Tive o privilégio singular de ver o jardim em cores já muito próprias do Outono, a minha estação preferida. Contudo, este espaço será certamente agradável em qualquer momento do ano.

É confortante saber que, numa época de globalização omnipresente a que Paris naturalmente não escapa, existem pontos firmes de identidade francesa. É sempre um prazer voltar ao Jardin du Luxembourg. E é triste voltar a Lisboa e verificar a falta de tal refúgio na nossa capital.
Imagens: Jardin du Luxembourg de R.F. Ruiz, Vista Geral, Foto (barco) de B. Girin e Le Jardin du Luxembourg de Matisse (1903)

3 comentários:

LUIS BARATA disse...

Também gosto muito do Jardin du Luxembourg, e dentro dele está um dos poucos museus da cidade que ainda não conheço: o da Orangerie,que tentei visitar em Dezembro e cheguei a dez minutos do fecho no último dia de viagem...
Fixei logo o horário: fecha às 19h.

Anónimo disse...

Matisse afirmou que,
"para pintar un paisaje otoñal, no intentaré recordar caules son los tonos que corresponden a esta estación, sino que me inspiraré unicamente en la sensación que el otoño me procura: la pureza glaciar del cielo, de un azul agrio, expresará esta estación del año tan bien como los matices del follaje"

In, Sobre Arte, Henri-Matisse, Barcelona Barral Ed, SA, 1974, p.30

Desculpe a extensiva citação mas o seu post e o quadro de Matisse fez-me recordar este excerto.

Filipe Vieira Nicolau disse...

Uma citação muito adequada! Obrigado.
Por falar em citações: Rilke escreveu, no seu poema "Das Karussell", sobre este jardim. Existe uma tradução do Vasco Graça Moura. Espero poder partilhá-la em breve com os leitores.