Prosimetron

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domingo, 2 de novembro de 2008

A IMPERFEIÇÃO DA FILOSOFIA - 4

"(...) Haverá algum antídoto contra a dor e a morte? Nenhuma teoria, nenhuma construção, nenhum modelo, permitirão vislumbrá-lo, só no modo como cada um vê a vida, no aspecto que a vida tem, nas escolha das imagens em que a vida se recolhe, esse antídoto poderá encontrar asilo. O que são essas imagens? Experiências da nossa vida que se coagulam em visões e figuras, e tendem a fixar-se em conceitos: viagem, deserto, jardim, casa, sonho, sede, prisão, jogo, máscara. Cada uma dessas imagens é uma lâmina de dois gumes, que exprime dois sentimentos cujo litígio, insondável, não conhece termo: aceitar a vida e recusar a vida, e à sombra disto aparecem o dom, a dívida, o pagamento da dívida, o equilíbrio, a justiça, o sacrifício, o rito que o repete, a história que contamos acerca da nossa vida: salvar-se, perder-se, ressuscitar, renascer. E também aparecem os conceitos de indivíduo, de eu, de isto, de centro, de si próprio. O que é que se encontra quando procuramos por nós próprios? O mistério e o enigma, o oculto e o manifesto, a ultrapassagem dos limites e a adaptação aos limites. Os deuses e a aparência: alegria, jogo, dizer sim, exercitar-se na morte, o exemplo de Montaigne.
Diz Epicuro: a morte não nos diz respeito, uma vez que, enquanto formos, ela não é, e logo que ela entra em cena, nós já não estamos. Declaração que é para sempre válida e, no entanto, como tão bem nos mostrou Jean Amery, ele de novo, absolutamente oca para aquele que tem de se haver com a morte. Trata-se, como em tantos casos gritantes, de uma falsa evidência. (...) "

- Maria Filomena Molder, Princípios de método-5, in A IMPERFEIÇÃO DA FILOSOFIA,
Relógio D'Água Editores, 2003.

Dedicado a J., numa ocasião que é a que mais temo e mais quero ver adiada.

5 comentários:

Anónimo disse...

Já arranjei o livro de Agamben. Esta filósofa tem uma linguagem mais simples.
"Diz Epicuro: a morte não nos diz respeito, uma vez que, enquanto formos, ela não é, e logo que ela entra em cena, nós já não estamos".

Adoro Epicuro, hoje estive para comprar um livro dele. Agora, arrependo-me de não o ter comprado.
A.R.

Anónimo disse...

Da Filosofia e da morte.
Hoje, comprei a Obra Poética de Nuno Júdice. Não tinha nada dele. Este seu post faz-me sempre reflectir. Procurei um poema do Júdice que mais parece filosofia: "A Morte Provisória". Correlacionei com Agamben, a Ideia da Prosa, e parece que já me estou a infiltrar na linguagem do filósofo italiano. Veja se concorda.

"A MORTE PROVISÓRIA
E para que ambos se fundissem não hesitou em sacrificar a vida; "corpo" e "alma", duas projecções distintas do seu pensamento (ou Sistema), assim sobreviveram naquele gesto que a ambos implicou; lançando-se no espaço, balbuciando duas ou três palavras definitivas, consumou essa fusão momentânea do etéreo, o que flutua algures e abstracto, com o pesado, o opaco, agora em rápida deterioração.
Morto, apesar de fugaz esplendor sentido, que pensará ele das palavras que aqui, sob outra vontade diversa, o recuperam até ele ser só. Onde finalmente, se conciliam a sua aspiração nunca realizada e o ilusório acto definitivo."

Nuno Júdice, Obra Poética (1072-1985, Lisboa: Quetzel Editores, 1999, p. 147.
A.R.

LUIS BARATA disse...

Desconhecia este poema do Nuno Júdice. Realmente,não é por acaso que a Filosofia dialoga tanto com a Poesia. Ontem como hoje.
Uma vez, ouvi uma afirmação que me pareceu deveras acertada: A Filosofia e a Poesia são o que mais importa, porque são inúteis. Ouvimos todos já muitas vezes comentários pejorativos acerca de uma e de outra do género " Não servem para nada" etc etc.
A verdade é que a é a sua aparente inutilidade neste mundo de utilidades que lhes dá o seu carácter imprescindível como verdadeira marca do humano.
Não somos castores, nem formigas ou abelhas. A prova está nos poemas que escrevemos e nas perguntas que fazemos.

Anónimo disse...

Os dirigentes políticos é que não vêem com bons olhos as ciências puras, como a Filosofia e a Matemática (para não falar noutras) que a curto prazo não são aplicáveis e não dão lucros, por isso, as consideram inúteis.

Gostei da sua afirmação:
"Não somos castores, nem formigas ou abelhas. A prova está nos poemas que escrevemos e nas perguntas que fazemos."

A.R.

Anónimo disse...

Por mais forte que se tente ser não há antídoto, posso provar. Obrigado L.
J.