Prosimetron

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segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Reacordar!

No seguimento do post do Luís, e fazendo jus ao título, Sempre a Aprender, procurei poemas de Carlo Michelstaedter e encontrei este. Existe a versão em italiano mas como é grande não a coloquei (assinalei o site).
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Retrato de 1908

O reacordar

Estou deitado na relva
no dorso do monte, e bebe o sol
o meu corpo que o vento acaricia
e roçam a minha cabeça e flores e as ervas
que o vento agita
e o zumbido do enxame dos insetos.
Das andorinhas o vôo azafamado
marca de curvas rotas o céu azul
e traz no alto vastos círculos o largo
vôo dos falcões...Vida?! Vida?!
Aqui a relva, aqui a terra,
aqui o vento, aqui os insetos, aqui os pássaros,
e mesmo assim entre eles sente vê goza
fica debaixo do vento fazendo-se beliscar
fica debaixo do sol para sugar o calor
fica debaixo do céu sobre a boa terra
esse que eu chamo "eu", mas que não sou eu.
Não, não sou esse corpo, esses membros
prostrados aqui na relva sobre a terra,
mais do que eu possa ser os insetos ou a relva ou as flores
ou os falcões lá no ar ou o vento ou o sol.
Eu apenas sou, distante, eu sou diferente –
outro sol, outro vento e mais soberbo
vôo para outros céus é a minha vida...
Mas agora aqui o que espero, e a minha vida
por que não vive, por que não acontece?
O que é essa luz, o que é esse calor,
esse zumbir confuso, essa terra,
esse céu que ameaça? Me é estrangeiro
o aspecto de cada coisa, me é inimiga
essa natureza! Chega! Quero sair
desta trama de pesadelos! A vida!
A minha vida! O meu sol!
Mas pelo céu sobem as nuvens desde o horizonte,
já roçam o sol, já à terra
invejam a luz e o calor.
Um arrepio percorre a natureza
e rígido me corre pelos membros
ao soprar o vento. Mas o que faço
comprimido sobre a terra aqui na relva?
Agora me levanto, agora tenho fome, agora me apresso,
agora sei a minha vida,
já que conheço a mesma ignorância –
a natureza inimiga agora me é querida
que me dará abrigo e nutrição
agora vou zumbir como os insetos.

Tradução de Prisca Agustoni. De AGULHA, revista de cultura n.º 32 - fortaleza, são paulo - janeiro de 2003

http://www.arlindo-correia.com/040703.html

1 comentário:

LUIS BARATA disse...

Obrigado! A Ana foi providencial. Tinha acabado de escrever núm comentário ao meu post que ia procurar traduções para português do Carlo M. e eis que aparece esta, embora feita no Brasil.