Prosimetron

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sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Natal, Cartas e Crónicas!

Debaixo do Mistletoe, reprodução de uma pintura de 1873

O Natal, a grande festa doméstica da Inglaterra, foi este ano triste - dessa tristeza particular que oferece, por um dia de calma ardente, a praça deserta de uma vila pobre, ou dessa melancolia que infundem umas poucas de cadeiras vazias em torno de um fogão apagado, numa sala a que não se voltará mais...
O que nos estragou o Natal não foram decerto as preocupações políticas, apesar da sua negrura de borrasca. Nem a rebelião do Transval em que os Boers debutaram por examinar o "94" de linha, um dos mais experimentados e gloriosos regimentos da Inglaterra, e que ameaça ensanguentar toda a África do Sul numa guerra de raças; nem a situação da Irlanda, que já não é governada pela Inglaterra, mas pelo comité revolucionário da Liga Agrária - seriam inquietações suficientes para tirar o sabor tradicional ao plum-pudding de Natal. As desgraças públicas nunca impedem que os cidadãos jantem com apetite: e misérias da pátria, enquanto não são tangíveis e se não apresentam sob a forma flamejante de obuses rebentando numa cidade sitiada, não tirarão jamais o sono ao patriota.
Não; o que estragou o Natal foi simplesmente a falta de neve. (...)
Para compreender bem o encanto da neve deste famoso Natal inglês, basta examinar algumas pinturas, gravuras ou oleografias que o têm popularizado. (...)
E toda a poesia do Natal está justamente nessas janelas resplandecendo da noite nevada.
Felizes aqueles para quem essas portas difíceis se abrem. Logo ao entrar na antecâmara os tectos, as umbreiras, os espaldares das cadeiras, os troféus de caça, aparecem adornadas das verduras do Natal, das ramagens sagradas do carvalho céltico; e pelas paredes, em letras douradas, ondeiam os dísticos tradicionais - Merry Christmas! Merry Christmas (Alegre Natal! Alegre Natal!) E o mesmo grito se repete nos shake-hands que se dão ao hóspede. (...) Dos grandes lustres balança-se o ramo simbólico da árvore, do mistletoe, o ramo do amor doméstico. e ai das senhoras que um momento pararem sob a sua ramagem! Quem assim as surpreender tem direito a beijá-las num grande abraço!

(De Cartas de Inglaterra e Crónicas de Londres)

Eça de Queirós, Crónicas e Cartas, Lisboa: Editorial Verbo (Apresentação e selecção de João Bigotte Chorão), 1972, p.55-56.

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