Prosimetron

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segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Vivências na Lisboa de 4 de Outubro de 1910 (III)


- Ah! - fez Moisés muito arrependido de ter vindo abrir a porta - é a revolução? Está bem. Vou dizer à Ludovina. Adeus e obrigado.

Mas o senhor Lopes insistiu:
_ o amigo desculpe mas eu queria pedir-lhe licença de ir à sua janela da sala; de lá vê-se o castelo de S. Jorge... De minha casa não vejo nada...

Neste momento ouviram-se alguns tiros de canhão, roucos e profundos, a distância. Ao mesmo tempo, do quarto de cama, a voz fina e esganiçada de Ludovina gritava:
- Moisés, Moisés, vem depressa para o pé de mim. Socorro que me deixam só... Malvados...

Deixou o senhor Lopes que foi para a sala, onde, à-vontade, abriu a janela, e correu ao pé do leito da mulher:
- Era o Lopes... o do rés-do-chão...
- Parece impossível, deixares-me aqui só... Afinal, parece-me que sempre é verdade... estou aflita... Vai chamar a D. Pulquéria...
- Olha, filhinha, talvez seja prudente esperar.
- Eu é que não posso mais. Vai já buscá-la e previne também a tua mãe; sempre olha pela casa...
- É melhor esperar que seja mais claro...

Moisés mediu então a gravidade da situação; se a coisa demorasse, e houvesse tiros por todas as ruas como havia ele de ir à Estrela buscar a comadre, ou passar pela rua dos Fanqueiros para trazer a mãe?

A Engrácia entrou pelo quarto, desgrenhada, a chorar.
- Ai minha senhora que medo... Estão aos tiros... Quero ir para a minha terra...
- Sua estúpida... vem para aqui assustar a senhora, neste estado...
- O que foram aquelas salvas, Moisés? - Ai... Acudam-me... Vão chamar a Pulquéria!...

O Lopes, que era um entusiasta republicano, fazia a sua aparição no quarto:
- Desculpem, mas a coisa vai bem. Do Castelo não respondem... Nem tem a bandeira içada... Os tiros são da esquadra que está revoltada...
- Então o senhor acha que eu não posso sair?
- Ainda é cedo, amigo Moisés.

Mas a campainha tornou a bater. Agora era a porteira:
É bom prevenirem-se de coisas de comer... Disse um leiteiro que vai o diabo lá para as Avenidas... muita gente e muitas peças.
(Logo mais, ou amanhã, esclareço quem escreveu este relato, de 4 de Outubro de 1910).

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