Prosimetron

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quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Pensamento ( s )



(...) a amizade, mesmo entre iguais, aceita a diferença, a dissensão e a liberdade do outro. Não sou menos amigo das pessoas de quem discordo. E algumas manifestações de amizade mais consistentes que conheço consistem em deixar alguém em paz, deixá-lo ser quem é, às vezes sozinho, em solidão temporária e benéfica.
Não ter amigos, não ter amigos nunca, leva ao fechamento, à incivilidade, à insanidade . Mas há amizades que são também formas de solidão. Amizades sem empatia, isto é, sem a tentativa de entendermos aquilo que nunca experimentámos. Amizades sem confidencialidade, que são formas de perfídia. Amizades inclementes como julgamentos sumaríssimos. Ou um amigo que diz mal de nós em público, ou fica calado quando nos ofendem. Um amigo que é um inimigo.
Creio que a sensatez demasiado optimista de Aristóteles pode ser completada por quatro observações. Uma é do próprio Estagirita : " Ó amigos, não há amigo ", exclamação que entendo como uma profissão de fé nominalista. A segunda é de Cícero, que garante que a amizade " nunca é extemporânea, nunca é um obstáculo ", definição absolutamente exacta e espantosa. A seguinte de Montaigne, que explicou a sua amizade por La Boétie com um sucinto e não-intelectual " porque era ele, porque era eu " . E a quarta é um apontamento de Grayling, que também me ocorreu com frequência : o facto de dizermos sempre " um amigo meu ", em vez de " um amigo ". Esse "  meu ", que parece desnecessário, é na verdade indispensável . Tenho amigos ou sou amigo quando a redundância é evidente : eu sou amigo deles, e eles meus amigos.


- É do Pedro Mexia, publicado no Expresso do passado Sábado, este texto que é um dos mais belos sobre a amizade que li nos últimos tempos. Tinha de o trazer aqui :)

2 comentários:

MR disse...

Sempre gostei da explicação de Montaigne.

ana disse...

Um texto interessante.
Boa tarde aos dois. :))