Prosimetron

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domingo, 22 de novembro de 2009

G. Donizetti: o Bel Canto ao serviço da História


Compor uma ópera trágica em Itália em 1830 significava uma novidade quase revolucionária. As óperas anteriores, concebidas no século XVIII, terminavam por norma com um happy end, pois destinavam-se exclusivamente aos membros da corte e à “glorificação” de virtudes reais. O desfecho trágico surgiu apenas na época (pós) napoleónica, em obras como Ecuba de Manfroce de 1812. Neste contexto, podemos considerar Anna Bolena como uma das primeiras óperas do género trágico.

A profundidade do drama culmina na scena ed aria finale em que a protagonista recorre à loucura para melhor suportar o seu sofrimento. A consciência de Anna dos factos que a rodeiam muda em cada minuto: se em determinado momento se apercebe da sua condição no Tower e aguarda a execução iminente, de seguida revive o passado em delírio e fantasia, como se de um espírito sonâmbulo e inconstante se tratasse. A componente de loucura poderá não corresponder aos acontecimentos históricos, serve, todavia, para consolidar a percepção de Anna Bolena como heroína infeliz, cuja morte equivale a um martírio exemplar. Lord Riccardo Percy exclama “Oh! Rio martir! “ (Oh! Cruel martírio!), e acresecenta “Delira”, juntamente com o irmão de Anna, Lord Rochefort.

O sucesso de Anna Bolena ao longo do século XIX dependia naturalmente também da qualidade das interpretações. Giuditta Pasta e Giovanni Battista Rubini encarnaram os personagens principais em várias produções e levaram a ópera ao Haymarket Theatre de Londres e ao Théâtre Italien de Paris em 1831, onde o público tomou pela primeira vez conhecimento da existência de Gaetano Donizetti. O S. Carlos de Lisboa acolheu Anna Bolena em 1834 (desconheço os intérpretes).
A partir de 1880, esta tragédia lírica sofreu o mesmo destino de outras composições operáticas da primeira metade do século: caiu em esquecimento.

A primeira encenação de Anna Bolena no século passado realizou-se em Bergamo, cidade natal de Donizetti, em 1956. A verdadeira Renaissance desta ópera deveu-se à interpretação memorável e lendária de Maria Callas na temporada de 1957/58 do Scala de Milão, acompanhada de Gianni Raimondi.
Outro registo notável data de 1987, na voz de Joan Sutherland, ao lado do Welsh National Opera Chorus and Orchestra. A soprano australiana contava 61 anos de idade e 28 anos de carreira após a sua saudosa estreia internacional no Covent Garden noutra obra prima do nosso compositor em destaque – Lucia di Lammermoor.

Fonte: Jeremy Commons/programação da ópera de Frankfurt a. M.;
Imagens: Tower de Londres; capela de St. Peter ad Vincula (St. Peter in Chains) no Tower de Londres; Maria Callas, Scala de Milão

1 comentário:

ana disse...

Estou a seguir com interesse!
Obrigada.