Prosimetron

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sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Natal 2009 - 11


Escolhi uma das imagens que a Biblioteca Nacional de França disponibiliza na sua magnífica base Mandragore, propositadamente de uma cristandade oriental, no caso tirada do manuscrito Armenién 333 (segundo aí referido, da segunda metade do século XIV). Numa só imagem, pelo menos três momentos convergentes para um mesmo significado.

Vem isto a propósito da laicidade do Estado e do famoso referendo por terras helvéticas. A reciprocidade no gozo dos direitos fundamentais, por princípio, deve ser recusada. Não se deve recusar certo direito, individual ou colectivamente, a uma pessoa por o seu estado de origem não o reconhecer, em idênticas circunstâncias, a estrangeiros ou mesmo aos seus próprios nacionais. Nesta medida, a liberdade que é ou não concedida, nos países islâmicos, aos crentes das outras religiões do Livro (ou de outras) é ou deve ser irrelevante na forma como queremos viver, seja no nosso canto à beira-mar plantado seja, como noutros casos, encravado no meio da Europa.

Tal não significa, num plano pessoal que tem maior ou menor importância em cada caso concreto, a irrelevância, pelo menos moral, da existência de duplos padrões (para não empregar anglicismos). Uma boa amiga minha (judia) insurgia-se há uns tempos com o facto de o filho, frequentando escola pública portuguesa, ter que “sofrer” festas de Natal, enfeites da época, etc. Quando referi que em Israel seria provável que uma criança católica “padecesse” de igual problema com as festividades próprias da religião hebraica, foi-me respondido que não se tratava de questão comparável, isto porque Portugal tinha escolhido, manifestamente, um caminho menos confessional do que a pátria judaica. Mais do que afectada por um positivismo extremado, a defesa da manutenção de tal dupla conduta ou solução é moralmente inaceitável, pelo menos ao nível individual.

Que relação isto tem com minaretes? Embora a sua utilidade (como a das torres das igrejas) seja aparentemente diminuta, isto fora das pequenas localidades, admito (ou até defendo, como para as igrejas) o seu valor simbólico e estético (não curando aqui dos minaretes católicos que se anunciam). Chocar-me-ia, contudo, uma floresta de minaretes em Lisboa, modificando a paisagem de uma forma incompatível com a história e a realidade social, do mesmo modo que seria bizarro alguém (muçulmano, pois parece que a entrada é vedada a terceiros) chegar a Meca e ter como elemento visualmente marcante tantas torres de igreja como tem Roma ou a nossa Braga.

A democracia (representativa como referendária) tem destas coisas. Não sei se os suíços temem a árvore ou a floresta: às vezes confunde-se a primeira com a segunda.

Ultrapassando os acidentes da História, aproveito o coro de anjos da parte superior da imagem e a globalização avant la lettre (vá, não escapei ao francês) que é simbolizada pelos reis magos da parte inferior:

Gloria in excelsis Deo et in terra pax hominibus bonæ voluntatis

(para os que acreditamos) (seguramente para todos, que a Boa Vontade a todos toca ou pode tocar)

10 comentários:

LUIS BARATA disse...

Quanto à reciprocidade dos direitos fundamentais, não partilho completamente das ideias do nosso JP,especialmente quando dou conta do que alguns sofrem em várias partes do mundo- designadamente os cristãos, da Turquia ao Iraque. Nunca ninguém fala dos cristãos iraquianos e do que sofreram nestes últimos anos. É que pior do que ser xiita ou sunita, é ser cristão.Lá, bem entendido.
Precisamente realmente de "Boa Vontade" para nos entendermos uns com os outros.

LUIS BARATA disse...

Correcção :"Precisamos" onde está " Precisamente".

Miss Tolstoi disse...

Gosto da iluminura.

ana disse...

Começo por agradecer o seu post e a sua lucidez. Não vou dar a minha opinião mas tocou-me a sua sensatez e sensibilidade!

ana disse...

Esqueci-me de referir que adorei a iluminura!

JP disse...

Muito obrigado, Miss Tosltoi, Ana.

Luís: serás tu sequaz dessa "igreja" que tem sede lá para os meus lados, especialmente do seu quarto "dogma"? :)

A sério, os cristãos perseguidos (aliás como de outras religiões) em países muçulmanos justificam toda a atenção e solidariedade, mas não pode ser pretexto para aqui imitarmos o que criticamos. O nosso exemplo deve ser, aliás, o melhor argumento para a modificação da realidade.

Claro que com isto não manifesto qualquer simpatia para com os conhecidos exageros que, pontualmente e em especial nesta quadra, se conhecem, designadamente os temores de que qualquer sinal levemente cristão no espaço público possa ofender outras crenças.

APS disse...

Para que a paz entre no nosso coração de europeus acho que temos de aceitar, com pragmatismo,a singularidade cultural de dois povos irmãos: os suiços e os ingleses.

LUIS BARATA disse...

Sendo sequaz de tal "igreja", seria à antiga, com missas negras, galinhas decapitadas e afins :)
Há muitos anos, convidaram-me para ir a Carcavelos assistir a umas missas negras que lá se faziam.Faltou-me a coragem...

Anónimo disse...

como mero apreciador deste blog, registo a bela iluminura e o texto que a acompanha; não me parece que a proibição referendária ou por decreto da edificação de mesquitas e seus minaretes seja uma solução sólida e agregadora para uma já vasta comunidade islâmica instalada na europa; trata-se de uma decisão sem dúvida democrática , mas geradora, num futuro que espero distante, de potenciais efeitos radicalizantes... a exclusão gera fenómenos dessa natureza; alías, em que medida é que a presença islâmica na europa pode constituir uma real ameaça à matriz civilizacional da europa ocidental? A mim parece-me que se criou um "novo diabo"... quando a verdadeira demanda reside na abissal desigualdade que se vive no mundo de hoje.

MR disse...

Concordo com o comentário anterior.
No outro dia li que, dentro de (poucos) anos, a população "inglesa" na cidade de Leicester será de 50%. Nunca me preocupei com estas "evoluções" que já eram previsíveis, mas se nós, europeus, começamos com atitudes como a dos suíços...
E um pouco à margem, não acho os ingleses racistas. Aliás, fiquei espantada quando visitei a primeira vez Inglaterra, em 1970, porque a fama deles, nesse aspecto, era terrível.
Haverá alguns, como cá também os há.