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quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Aleister Crowley (1875-1947)

Aleister Crowley nasceu em 12 de Outubro de 1875, no Reino Unido.

HINO A PÃ

de Mestre Therion [um dos nomes mágicos de Aleister Crowley]

Vibra do cio subtil da luz,
Meu homem e afã
Vem turbulento da noite a flux
De Pã! Iô Pã!
Iô Pã! Iô Pã! Do mar de além
Vem da Sicília e da Arcádia vem!
Vem como Baco, com fauno e fera
E ninfa e sátiro à tua beira,
Num asno lácteo, do mar sem fim,
A mim, a mim!
Vem com Apolo, nupcial na brisa
(Pegureira e pitonisa),
Vem com Artemis, leve e estranha,
E a coxa branca, Deus lindo, banha
Ao luar do bosque, em marmóreo monte,
Manhã malhada da âmbrea fonte!
Mergulha o roxo da prece ardente
No ádito rubro, no laço quente,
A alma que aterra em olhos de azul
O ver errar teu capricho exul
No bosque enredo, nos nós que espalma
A árvore viva que é espírito e alma
E corpo e mente - do mar sem fim
(Iô Pã! Iô Pã!),
Diabo ou deus, vem a mim, a mim!
Meu homem e afã!
Vem com trombeta estridente e fina
Pela colina!
Vem com tambor a rufar à beira
Da primavera!
Com frautas e avenas vem sem conto!
Não estou eu pronto?
Eu, que espero e me estorço e luto
Com ar sem ramos onde não nutro
Meu corpo, lasso do abraço em vão,
Áspide aguda, forte leão -
Vem, está fazia
Minha carne, fria
Do cio sozinho da demonia.
À espada corta o que ata e dói,
Ó Tudo-Cria, Tudo-Destrói!
Dá-me o sinal do Olho Aberto,
E da coxa áspera o toque erecto,
Ó Pã! Iô Pã!
Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã Pã! Pã.,
Sou homem e afã:
Faze o teu querer sem vontade vã,
Deus grande! Meu Pã!
Iô Pã! Iô Pã! Despertei na dobra
Do aperto da cobra.
A águia rasga com garra e fauce;
Os deuses vão-se;
As feras vêm. Iô Pã! A matado,
Vou no corno levado
Do Unicornado.
Sou Pã! Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã!
Sou teu, teu homem e teu afã,
Cabra das tuas, ouro, deus, clara
Carne em teu osso, flor na tua vara.
Com patas de aço os rochedos roço
De solstício severo a equinócio.
E raivo, e rasgo, e roussando fremo,
Sempiterno, mundo sem termo,
Homem, homúnculo, ménade, afã,
Na força de Pã.
Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã!

Trad. Fernando Pessoa

«Como V. se interessou por O Último Sortilégio, envio-lhe, como simples curiosidade, a tradução que fiz, do inglês, de um “poema mágico” a valer – o Hino a Pã, que constitui o prefácio do tratado Magia do Mestre Therion. Este poema não é para se publicar, mas só para V. ler. Também lhe peço que o não mostre a muita gente. Não digo que se não pudesse publicar, mas o ponto é qpe para isso, seria precisa a autorização do Mestre Therion; e o Mestre Therion desapareceu, não se sabendo se se suicidou (como a princípio eu mesmo acreditei), se simplesmente se escondeu, se foi assassinado (estranha hipótese, em princípio, mas que ao que me consta é – ou pelo menos foi – a do polícia inglês que aqui esteve a investigar o caso*.» (Carta de Fernando Pessoa a João Gaspar Simões, 6 Dez. 1930)

* «A carta evoca a encenação aquando da sua viagem [de Aleister Crowley] a Lisboa para conhecer Fernando Pessoa, do desaparecimento do autor do Hino a Pã na Boca do Inferno, em Cascais, com a colaboração de Fernando Pessoa e de Augusto Ferreira Gomes.» (nota de António Quadros, in Fernando Pessoa - Escritos íntimos, cartas e páginas autobiográficas. Mem Martins: Europa-América, 1986, in p. 190)

«O Mestre Therion não é um heterónimo meu; é simplesmente o “nome supremo” do poeta, mago, astrólogo e “mistagogo” inglês que em vulgar se chama (ou chamava) Aleister Crowley, que também se designava por “A Besta 666”. O Hino a Pã é uma espécie de prefácio a trabalho Magick (Magia), que foi publicado em paris, em quatro tomos. Crowley mandou vir de Inglaterra um tratado desses para mim; recebi-o, por sinal, já depois de o Crowley ter desaparecido de Lisboa em circunstâncias misteriosas.
«Lembrei-me um dia de traduzir o Hino a Pã, o que fiz, conforme o meu critério de traduzir verso, em absoluta conformidade rítmica com o original. Mandei a V. o poema para, como lhe disse, V. ver o que é propriamente um “poema mágico”, em comparação com um simples “poema a respeito de magia”, como é o meu Último Sortilégio.
«Reflecti, depois de lhe escrever, sobre o que lhe havia dito de o poema não dever ser publicado. Não vejo, afinal, inconveniente nisso, se V. achar interessante publicá-lo. Tem, pelo menos, a vantagem de ser singular: não creio que haja em português (natural ou traduzido) outro poema precisamente dessa ordem. Pode, pois, V. publicá-lo se quiser. Para esse fim lhe envio uma nova cópia, em que ajustei (creio) a ortografia, e fiz umas pequenas modificações.» (Carta de Fernando Pessoa a João Gaspar Simões, 4 Jan. 1931)

7 comentários:

Miss Tolstoi disse...

Durante muito tempo pensei que Crowley era um heterónimo de Pessoa. Com aquelas trapalhadas e secritos sobre a Boca do Inferno.

APS disse...

Fez-me lembrar o Raúl Leal...talvez pelo tom e inúmeros pontos de exclamação.

MR disse...

Do Henoch. :-)

MR disse...

Eu não aprecio este poema, nem este "tipo" de poesia.

Jad disse...

E onde é que o poema foi publicado?

MR disse...

"Presença", Coimbra, Jul.-Out. 1931

LUIS BARATA disse...

Curiosamente, o " homem mais maléfico do mundo " andava para aparecer aqui no Prosimetron. Talvez ainda volte hoje.