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quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Luise Rainer

Em ambiente de sublime elegância arquitectónica, talvez a residência nº 54 de Eaton Square em Belgravia passasse despercebida, não fosse uma simples descrição à entrada informar o seguinte: ”Vivien Leigh 1913 – 1967, Actress, lived here”. Esta particularidade, já em si digna de veneração absoluta, junta-se a outra circunstância excepcional: a residente actual desta moradia londrina chama-se Luise Rainer, ganhou o Óscar na categoria de melhor actriz por duas vezes consecutivas e, acima de tudo, celebra hoje 101 anos de existência terrestre. Há um ano, João Soares fez a merecida referência à actriz centenária.

Luise Rainer nasce em Düsseldorf a 12 de Janeiro de 1910. Opõe-se à resistência do seu pai e abandona sua família, de origem judia, aos 16 anos rumo a Berlim. A primeira audição diante de Max Reinhardt, um dos mais importantes realizadores da República de Weimar, culmina num fracasso desastroso, pois a inexperiência de Luise revela-se naturalmente incompatível com o grau de exigência que o papel de Lulu de Frank Wedekind, escolhido pela jovem, requer. Luise consegue, no entanto, o seu primeiro trabalho em palco poucos meses depois em Krefeld. Seguem-se interpretações em Düsseldorf e Viena, onde reencontra Max Reinhardt no conceituado Theater in der Josefstadt. Luise Rainer brilha em peças de Shakespeare e Pirandello.

Na capital austríaca, é descoberta em 1935 por “um assistente qualquer” de um certo americano, chamado Louis B. Mayer - assim nos conta Rainer. Contratada pela MGM, atinge um apogeu, único e quase impossível à luz dos dias de hoje: com apenas 27 anos, conclui três películas e recebe dois Óscares na categoria de melhor actriz em The Great Ziegfeld sob a direcção de Robert Z. Leonard, ao lado de William Powell e Myrna Loy, bem como em The Good Earth, baseado na obra homónima de Pearl S. Buck. Neste segundo filme da autoria de Sidney Franklin, encarna o papel de uma mulher do campo chinesa de modo tão convincente que a esposa de Tschiang Kai-Scheck pensa tratar-se de uma conterrânea sua, pelo que passa a oferecer todos os anos um presente de Natal a Luise Rainer. Em dois anos consecutivos, 1936 e 1937, Luise alcança o maior galardão – facto inédito que viria a ser repetido apenas por Katherine Hepburn trinta anos depois. O mundo dos superlativos acolhe uma nova estrela que se junta a deusas como Greta Garbo, Joan Crawford ou Norma Shearer.

Mas, voltando a Vivien Leigh, tudo o vento levou: Luise Rainer não se conforma com a vivência em Hollywood que se reduz a dinheiro e festas no entender da actriz. O espírito de rebeldia e um matrimónio difícil com Clifford Odets motivam Rainer a abandonar Hollywood. Louis B. Mayer tê-la-á ameaçado com as palavras: “Nós criámo-la, vamos também destruí-la”, ao que Rainer terá ripostado: “Foi Deus quem me criou”. Seguem-se ainda The Emperor’s Candlesticks e The Great Waltz, e a carreira acaba. Luise cai em esquecimento, em esquecimento total, mesmo no seu país natal.


A história de Luise Rainer que sempre se recusou a adoptar um nome artístico apesar das insistências de Mayer, é a história de oportunidades perdidas. O papel principal em “Por quem os sinos dobram” cabe a Ingrid Bergmann, e não a Rainer. O primeiro sucesso de Tennessee Williams na Broadway, The Glass Menagerie, podia contar com a presença de Rainer – a actriz rejeita a sua participação. E em 1960, Federico Fellini implora-lhe o desempenho em La Dolce Vita. Mas Rainer prefere desperdiçar um come-back a rodar cenas de amor ousadas com Marcello Mastroianni.

Ainda assim, a história de Luise Rainer é também a história de uma personalidade que, embora ignorada pelo vasto público, se cruza com os grandes nomes do século passado: Rainer é admirada por Albert Einstein. Rainer apoia Ernest Hemingway durante a Guerra Civil de Espanha. E Rainer ajuda Bertolt Brecht a emigrar para os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. Mais de quatro décadas deste percurso por um mundo conturbado são acompanhadas do segundo marido, o publicista suíço Robert Knittel, o grande amor da sua vida.


Na memória efémera da Sétima Arte, esta grande senhora permanecerá talvez como Anna Held em The Great Ziegfeld que, recém-divorciada, telefona ao seu ex-marido (William Powell), congratulando-o pelo novo matrimónio com Billie Burke (Myrna Loy) – e o espectador vê uma lágrima no olhar de Anna. Tal momento inesquecível conferiu a Rainer a alcunha de “Viennese Teardrop”, muito embora as suas origens sejam alemãs.
E algumas biografias destacarão a força e intransigência de Rainer que, em detrimento próprio, se opôs ao sistema e establishment de Hollywood. Numa entrevista ao Frankfurter Allgemeine Zeitung em 2008, a actriz não poderia ser mais explícita: considera abominável a primazia do visual dos artistas, em constante submissão aos papéis a interpretar. Nenhum cirurgião estético pôs mãos em Luise Rainer, assim afirma a centenária. Aos vermos o seu rosto enrugado, mas repleto de ternura e alegria, não nos restam dúvidas …

2 comentários:

LUIS BARATA disse...

No tempo dela, era quase impossível desafiar o star-system e quem o fazia pagava caro. Só com o declínio dos grandes estúdios, é que os actores tiveram vidas e contratos mais livres.
Desconhecia certos pormenores, isto é mesmo sempre a aprender :)

ana disse...

Filipe,
Gostei imenso desta homenagem, algumas informações são para mim novidades. Conheço mal a actriz mas gostei das interligações que fez com Vivien Leigh, uma das personagens mais fascinantes de "Tudo o Vento Levou", e de Ingrid Bergman da qual sou fã e neste momento não sou capaz de escolher o seu melhor papel.
A beleza de Luise Rainer manifesta-se em enfrentar a idade, o envelhecimento como mostra o sorriso que escolheu para nos oferecer este belo post!
Parabéns!