Prosimetron

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terça-feira, 27 de setembro de 2011

Aviso por causa da moral

Lisboa: Typ. Annuario Commercial, 1923, 1 folha

«O Aviso por causa da moral (Lisboa, 1923) - manifesto assinado por Álvaro de Campos  distribuído em folha solta pelas ruas de Lisboa - foi escrito em resposta à Liga de Acção dos Estudantes de Lisboa, organização de feição católica e conservadora, que, a propósito da reedicação das Canções de António Botto, emias proximamente, da Sodoma Divinizada de Raul Leal, desencadeou uma campanha "moralizadora" com apelos às autoridades para que exercessem, como efectivamente vieram a exercer, repressão sobre tal "literatura de sodoma". Significativo o modo como é datado - "Europa, 1923" - este manifesto dirigido aos "moços da vida das escolas" que "intrometem-se com os escritores que não passam opela mesma razão porque se intrometem com as senhoras que passam".»
João Rui de Sousa
In: Fernando Pessoa: Fotobibliografia: 1902-1935. Lisboa: Imp. Nac.-Casa da Moeda: Biblioteca Nacional, 1988, p. 100

2.ª ed. muito aum. Lisboa: Olisipo, 1922
Lisboa: Olisipo, 1923
(A Olisipo era uma editora de Fernando Pessoa)

E o que dizia o manifesto da Liga de Acção dos Estudantes de Lisboa, que João Rui de Sousa refere? O seguinte, à boa maneira inquisitorial:
«Não vimos tratar de política, nem trazemos também um novo programa de partido, pronto a salvar o país.
«Simplesmente, na nossa função de trabalhadores do Espírito e de soldados da Ciência, entendemos que é chegado o momento do erguermos a nossa voz para ser escutada por todos aqueles que a possam compreender.
«A situação de Portugal é desgraçada.
«Profundamente e totalmente.
«A nós, fere-nos mais de perto, na nossa sensibilidade, a parte moral e intelectual da derrocada que nos rodeia.
«É dela que vimos falar.
«Não queremos agora aprofundar causas ou apontar responsabilidades. Basta que constatemos os factos e apontemos o caminho a seguir.
«De dia para dia o mal é mais fundo e mais avassalador. Derrubaram-se todas as fronteiras do espírito entre a inteligência e a loucura, entre a beleza e a perversão.
«Mascarados em mil hipocrisias literárias, em pseudofilosofias extravagantes, encobrindo a sua animalidade em frágeis farrapos de escolas inverosímeis, todos os baixos instintos humanos, numa liberdade desvairada, se erguem, alastram, dominam como flores de pântano no crepúsculo triste duma terra abandonada.
«É contra essa dispersão, contra essa inversão da inteligência, da moral e da sensibilidade, que nós gritamos numa revolta sagrada da nossa dignidade de homens, o protesto vibrante dos que não deixam cerrar os seus olhos à luz da Verdade.
«Já não se paira, por desgraça, no campo das atitudes snobs e literárias. Atingiu-se a última abominação, aquela que nas tradições bíblicas fazia chover o fogo do céu.
«Urge a reacção pronta e implacável. À frente dela se levanta a nossa mocidade forte e resoluta. Nas nossas mãos brandimos o ferro em brasa que cicatriza as chagas.
«A quem manda nós apontamos hoje a necessidade imperiosa de fazer justiça. É preciso que os livreiros honrados expulsem das suas casas os livros torpes. É necessário que os adeptos da infâmia caiam sob a alçada da lei, que um movimento enérgico de repressão castigue em nome do bem público.
«Que a justiça venha e implacável!»

Mas esta polémica não ficou por aqui. Teve seguimento.

2 comentários:

LUIS BARATA disse...

Alguma efeméride?

MR disse...

Que eu saiba não, veio na sequência de um post do Jad. E como eu acho que o texto merecia sair na totalidade, aqui ficou.
Um Álvaro de Campos muito irónico, de uma ironia muito fininha...