Prosimetron

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quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Haiti


O drama é tão grande que até tenho algum pudor em tratar do que, especialmente em comparação, é mera trivialidade.

Mas estando a atenção (agora e por ora) focada neste pobre país caribenho, coloquei acima as armas do Rei do Haiti, Henri I, que em 1811 (quatro décadas antes de Napoleão III e cento e sessenta anos, mais ou menos, antes de Bokassa) passou de Presidente da República a monarca da semi-ilha.

Na mesma altura estabeleceu armas para a Rainha e demais Família Real, bem como para a sua Corte. Nas armas reais, a influência napoleónica é gritante, não só na semelhança gráfica entre a águia de um e a fénix de outro, como na expressa utilização de simbologia secundária criada pelo Corso, no caso do Rei as estrelas do campo (usadas, em França, para decorar o chefe das armas dos duques, hipotetica alusão às armas familiares dos Bonaparte), no caso da Rainha, estas estrelas sendo substituídas pelas abelhas hipoteticamente atribuídas aos Merovíngios (e usadas no Império galo nos chefes das armas dos Princípes Grandes- Dignitários).

Os lemas são também bastante curiosos, como por exemplo o do Príncipe herdeiro: “Les jeux de l’enfance annoncent les grands hommes”.

A titulatura desta Corte, que durou menos de uma década, foi alvo de remoques, centrados nos famosos Duque “de Marmelade” e Conde “de Limonade”. Não faltou também quem notasse que, longe de corresponderem aos comes e bebes em questão, estes títulos diziam respeito a topónimos. Nem quem, em França, reconhecesse que o venerando título de Duque “de Bouillon” poderia também significar Duque do Caldo.

Um armorial contendo estes ordenamentos acabou na biblioteca do College of Arms, corporação dos oficiais de armas da coroa inglesa, tendo sido publicado há poucos anos pelo mesmo (a imagem, em rigor, é a respectiva capa).

Verifiquei agora no respectivo site que o produto da venda irá ser aplicado no socorro e no apoio à reconstrução do Haiti. Não estando em crer que a monarquia de Henri I tenha sido excessivamente benéfica para o país, sempre é alguma coisa que a heráldica pela mesma criada há duzentos anos venha, por interposto editor, a contribuir com algumas libras para melhorar a sorte dos haitianos deste século XXI.


Notas:

  • Para qualquer interessado, será útil a leitura do capítulo dedicado ao Haiti em Heraldry and the Heralds, de Rodney Dennis.
  • O chefe, trocado em miúdos, é o terço superior do escudo. Em francês, língua heráldica por excelência, ocorre feliz ambiguidade com cabeça.

11 comentários:

MR disse...

Curiosíssimo esse lema: «Les jeux de l’enfance annoncent les grands hommes».
Se predizem grandes homens não sei, mas que ajudam a formar o carácter...

MR disse...

E quais seriam os jogos do príncipe herdeiro?

APS disse...

Como já disse uma vez, em comentário a um seu post anterior,sou um leigo "ignorantão" destas matérias. Mas os seus "postes" nesta área são tão apelativos, pedagógicos e simples
(que é uma virtude de quem sabe muito e tem as coisas bem arrumadas)que vou ficando curioso e atento à matéria. Obrigado.

ana disse...

É interessante. A heráldica faz parte dos seus hobbies?

Anónimo disse...

Não se vê logo?

JP disse...

Obrigado! MR: esperemos que fossem brincadeiras inocentes! E, a ser verdade o dito, o que sairá destas consolas omnipresentes?
Ana: de um ponto de vista estético, desde os 13. Mais tarde, ganhei "sistema", em contacto com um grande amigo que muito sabe destas coisas (e que deu um curso breve no CNC).

ana disse...

Obrigada por ter partilhado esse gosto que lhe vem da adolescência.

Gosto de heráldica, por motivos estéticos, por algo que é para mim misterioso, mas nunca enveredei por aí.
Obrigada pelo ensinamento.

MR disse...

Eu não sou nada nada a heráldicas, mas acho os seus posts interessantíssimos. Nem me reconheço a ler coisas sobre heráldica.
E já agora, haverá jogos sobre heráldica?

Miss Tolstoi disse...

Idem.

JP disse...

Tenho alguns baralhos de cartas, uns meramente decorados com heráldica, outros visando fins pedagógicos, de ensino da própria heráldica. Note-se que as próprias figuras dos nossos actuais baralhos provêm de séries de heróis e heroínas, que todos e todas tiveram a sua heráldica imaginária (mais ou menos fixa, dependendo muito do caso). Vou ver o que, neste campo, possa colocar aqui.
E já agora, MR, sou capaz de apostar que gostaria de ler qualquer livro dos escritos pelo, já aqui citado, Michel Pastoureau. :)

MR disse...

Acha? Vou pensar.