Prosimetron

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sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

A. S.: Escolhas Pessoais XIV

Drummond de Andrade


Retrato de Drummond de Andrade, por Portinari

Carlos Flávio Drummond de Andrade (1902-1987) é conhecido, sobretudo, como um dos grandes poetas brasileiros do séc. XX, mas foi também um contista notável - “Contos de Aprendiz”- e autor de crónicas memoráveis.

Homem, aparentemente, simples, mas de grande sabedoria poética (“Não faças versos sobre acontecimentos […] Penetra fundamente no reino das palavras”), autor de poemas de grande dramatismo expressivo (“A morte do Leiteiro”, “Caso do Vestido” e “Desaparecimento de Luísa Porto”) que alternam, inesperados, com versos de intenso humor negro:

          A SANTA

        Sem nariz e fazia milagres.

        Levávamos alimentos esmolas

        Deixávamos tudo na porta

        Petrificados.

        Por que Deus é horrendo em seu amor?

Os seus contos, de saboroso humor minimalista, articulam de uma forma analítica o espanto provinciano (Itabira, onde nasceu) perante a ”perfeição” citadina (Belo Horizonte, para onde foi estudar) – vista pelos olhos de uma criança -, por exemplo em “O Sorvete”; ou dão lugar aos sentimentos infantis, extremados, na sua pureza original (“Salvação da Alma”). Mas a seriedade do tom destas pequenas narrativas, com o seu inesperado final, faz lembrar um menino sisudo, educado e compenetrado dos seus deveres (e não esqueçamos que Drummond foi um eficiente e cumpridor funcionário público …) que, quando menos se espera faz uma malandrice… Este humor, por vezes ácido, é também uma herança do “modernismo brasileiro” que Manuel Bandeira, por exemplo, conservou até ao fim.

Carlos Drummond de Andrade foi também um tradutor exemplar de autores franceses: Laclos, Moliére, Balzac, Proust e Mauriac. E Lorca. Os seus versos que, às vezes, parecem excessivamente prosaicos, têm uma musicalidade muito própria e chegaram (algumas composições) a ser musicadas por Vila-Lobos: “Viagem de Família” e “Cantiga do Viúvo”.

A preocupação social, a solidão (“Nesta cidade do Rio, / de dois milhões de habitantes, / estou sozinho no quarto, / estou sozinho na América…”) e o amor, quer na sua fase inicial - mais optimista -, quer na final, com notas mais dramáticas (“Deus me deu um amor no tempo da madureza, / quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme…”), para lá dum cristianismo discreto, mas muito presente, são temas estruturantes na sua obra. Lapidarmente, Otto Maria Carpeaux disse que a obra poética de Drummond era um “acordo raro de certa ingenuidade rústica com a mais rigorosa disciplina intelectual.”


Desenho de A. Rodin

De Carlos Drummond de Andrade escolhi:

        O QUARTO EM DESORDEM

      Na curva perigosa dos cinquenta

      Derrapei neste amor. Que dor! que pétala

      Sensível e secreta me atormenta

      E me provoca à síntese da flor

      Que não sabe como é feita: amor,

      Na quinta essência da palavra, e mudo

      De natural silêncio já não cabe

      em tanto gesto de colher e amar

      a nuvem que de ambígua se dilui

      nesse objecto mais vago do que nuvem

      e mais defeso, corpo! corpo, corpo,

      verdade tão final, sede tão vária,

      e esse cavalo solto pela cama,

xxxxxxxxxxxxxxxXa passear o peito de quem ama.

Post de Alberto Soares.

4 comentários:

ana disse...

A.S.
Belíssimo o "Quarto em Desordem" e este desenho de Rodin.

Miss Tolstoi disse...

Parabéns!
Juntar Drummond, Rodin e Portinari no mesmo post... Adoro os dois primeiros.

MR disse...

Até me esqueci de lhe dizer o quanto gostei deste post.
Há muitos admiradores, neste blogue, de Drummond de Andrade e de Rodin.
Eu também gosto de Portinari e não conhecia este retrato de Drummond. Nem sei se alguma vez o tinha visto tão jovem.

JP disse...

Um bom exemplo como a mestria na escultura faz esquecer, injustamente, outras expressões plásticas não menos tridimensionais no que transmitem.
Muito obrigado por este momento tão completo, pré-prandial! :)