Prosimetron

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sábado, 5 de julho de 2008

Invejar os poetas

" Pensava que uma das poucas qualidades que tinha era a ausência de inveja. Não é verdade. Invejo os poetas. O que eu queria mesmo, o que mais queria neste mundo, o que mais desejava mas não tenho talento, era ser poeta. Até aos dezanove, vinte anos, só escrevi poemas . Descobri que eram maus, que não era capaz, que me faltava o dom. Foi um achado tremendo para mim, a certeza que a minha vida perdera o sentido. E então, aflito, desesperado, a medo, comecei a tentar outra coisa, porque não me concebia sem uma caneta na mão. Nunca fiz contos, nem diários, nem teatro, nem ensaios e contar lérias não me interessava. Interessava-me transferir o mundo inteiro para o interior das capas de um livro. E cheio de hesitações, recuos, influências, a certeza que ainda não era aquilo, ainda não era aquilo, dei início a este fadário. Resignado com a minha ausência de talento para me exprimir em verso. Nos primeiros tempos ainda experimentei, ocasionalmente, redigi uns poemas: eram horríveis. Então conformei-me. (...) "

- António Lobo Antunes, Morto cobrido de amor , VISÃO , 3 de Julho de 2008

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