Prosimetron

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sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Chéri - uma apreciação

Fui ontem ver o filme "CHERI", já aqui anunciado pelo Luís Barata.

O filme reúne alguns dos principais artífices do excelente "Dangerous Liaisons" / "As Ligações Perigosas", de 1988 - Stephen Frears na realização, Christopher Hampton no argumento adaptado e Michelle Pfeiffer como protagonista. Infelizmente, o marketing do estúdio capitalizou demais esta "ligação", apregoando-a no cartaz, ligando os filmes sob a égide de period pieces (apesar de um decorrer no Ancient Régime e outro na Belle Epoque) e criando o "tag": "Indulge in a wicked game of seduction", reminiscente do mote do anterior sucesso. Naturalmente, a expectativa fica criada para ver o "Dangerous Liaisons II". E essa expectativa é defraudada, sendo que em seu lugar surge um outro excelente filme, arrastando a necessidade de comparação constante com o filme anterior.

"CHERI", baseado na obra de Colette (que não li), descreve um mundo de cortesãs da alta sociedade na Paris da Belle Epoque, já retiradas e "of a certain age"; Chéri é a alcunha do filho de uma dessas cortesãs, Charlotte, um jovem adulto mimado, sem sentido de responsabilidade e aborrecido pelo seu hedonismo. Léa é uma antiga rival e agora "amiga" da Mãe (como ela própria diz, nunca gostou particularmente dela, mas é impossível fazer amizades fora do ... meio), decidida a retirar-se e viver dos rendimentos. Numa nota de indiferença, de quase "oh, why not...?", começam uma relação sexual, com vivência conjunta de dias que se sucedem sem grande planeamento ou interesse de perpetuidade.

Um dia o Sol nasce, e nesta vivência passaram seis anos de convivência -- nesse dia, Léa toma conhecimento das intenções matrimoniais de Charlotte para o filho: casá-lo com a abastada herdeira de outra colega de métier. Há um estremecimento; o que nunca fora deliberado ou resultado de amor ou paixão, mas apenas cómodo, passa a ser algo que, desaparecendo, deixa um vazio. Seguindo as regras de etiqueta cortesã, ambos seguem caminhos que se voltam a entrelaçar até à voz off final do filme.

A reacção ao filme foi fraca -- em geral, considerou-se que as cenas amorosas tinham pouca chama e que o argumento era medíocre (vide o site de crítica de cinema "Rotten Tomatoes"). Pela minha parte, as cenas com pouca chama eram as que tinham que ter pouca chama -- as iniciais, as dos seis anos em que a relação se estabelece por hábito e por não haver nada mais interessante para fazer. É nessa indiferença (apenas aparente) que reside o desequilíbrio para os envolvidos em continuarem as suas vidas de forma independente. Até à frase final, que oferece os contornos da frieza do argumento e das interpretações.

Para mim, mereceram destaque a beleza e elegância dos cenários e dos guarda-roupas, as interpretações de Michelle Pfeiffer (que exigiu ao director de fotografia que a capturasse com todas as marcas dos seus cinquenta anos), superlativa ao comportar-se como se comportaria uma cortesã habituada a não baixar a guarda, e Kathy Bates, que cria uma Charlotte inteligente, hábil, mesquinha e com pouco em que se ocupar. Menos feliz, a meu ver, esteve a interpretação de Rupert Friend (que estivera muito bem num dos filmes de "Harry Potter").

Apreciei particularmente as piscadelas de olho aos adeptos de "As Ligações Perigosas" (por exemplo, a fotografia inicial de Léa era uma das fotografias promocionais do filme, ambos os filmes terminam com um grande plano da protagonista ao espelho, vendo o seu declínio).

Breves notas curriculares:
- Stephen Frears realizou também os excelentes "My Beautiful Laundrette" / "A Minha Bela Lavandaria" (1985), com Daniel Day-Lewis, "The Grifters" / "A Anatomia do Golpe" (1990), com Anjelica Huston, John Cusack e Annette Bening e, mais recentemente, "The Queen" / "A Rainha" (2006), com Helen Mirren; teve também a realização de filmes menos bem conseguidos como "Hero" / "Herói Acidental" (1992), com Dustin Hoffman, Geena Davis e Andy Garcia, e "Mary Reilly" (1994), com John Malkovich e Julia Roberts;
- Christopher Hampton escreveu e realizou "Carrington" (1995), com Emma Thompson e Jonathan Pryce, e escreveu os argumentos de "Mary Reilly", "The Quiet American" (2002) e "Atonement" (2007), bem como a letra para o musical de Andrew Lloyd Webber, "Sunset Blvd", baseado no filme homónimo de Billy Wilder (com Don Black);
- Michelle Pfeiffer faz com esta obra o terceiro vértice de um triangulo de amor restringido por códigos auto-impostos -- juntamente com as "As Ligações Perigosas" e "The Age of Innocence" / "A Idade da Inocência" (1993).
Este triunvirato acresce a um palmarés que conta com uma vastíssimo leque de atributos, desde "Grease 2" (1982) e "Scarface" (1983), a "Ladyhawke" (1985), "The Witches of Eastwick" (1987), "Married to the Mob" (1988), "Os Fabulosos Irmãos Baker" (1989), "Love Field" e "Batman Returns" (ambos de 1992) ou, mais recentemente e depois de longo interregno, "Hairspray" e "Stardust" (ambos de 2007).

3 comentários:

Anónimo disse...

Hei-de ir brevemente.
M.

LUIS BARATA disse...

Nice review

ana disse...

Também irei ver, adoro esta época e a Michelle Pfeiffer.
Gostei da sua análise, despertou-me mais interesse.
Obrigada.