Prosimetron

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sexta-feira, 5 de junho de 2009

Mark Rothko ao almoço


Uma conversa interessante não precisa de ter longas horas. Menos de uma hora pode ser mais que suficiente para nem se dar pelo tempo passar. Foi o que me aconteceu hoje depois de conseguir um "tempinho" para almoçar com um ex-colega de trabalho (o António Nobre já aqui trazido através das suas belas fotos; lembram-se de "Sob o olhar da lente"?). Além da máquina fotográfica, o António também anda munido de pincéis, paleta e tinta. Durante o almoço foi-me falando dos seus progressos na pintura, das suas preocupações estéticas e das exposições que tem visto. E assim a arte foi o tema dominante à mesa. Conversámos ainda sobre questões como a fronteira entre o talento e a técnica, até que ponto a técnica pode compensar a aparente ausência de talento, tornando muitas vezes as obras um tanto incompreensíveis, enigmáticas ou até interrogativas... A este propósito o António recordou uma viagem que fez a Nova Iorque onde na altura diversas galerias de referência exibiam trabalhos de Mark Rothko, cujas telas se apresentavam em muitos casos monocromáticas ou "simplesmente" preenchidas com duas ou três formas mais ou menos geométricas cada uma de sua cor. Pouca criatividade para tão elevada cifra quando se trata de adquirir um Rothko, pensarão alguns! Piora um pouco quando os números nos indicam que a pintura deste autor atinge em leilão valores como 22,5 milhões de dólares podendo mesmo chegar aos 73 mil milhões (2007) como foi o caso do quadro "Homenagem à Matisse" em tons de amarelo, rosa e lavanda, um autêntico recorde para artistas do pós-guerra.
Como nada sabia acerca de Rothko, no regresso do almoço pesquisei sobre este pintor de origem judaica, nascido na Letónia (1903-1970) e que emigrou para os EUA. Se Mark Rothko foi um pintor expressionista abstrato (embora rejeitasse o rótulo) conhecido pela sua natureza ansiosa, irascível mas também afectuosa foi reconhecido pela sua grande cultura; amou a música, a literatura e muito especialmente a filosofia com particular interesse pelos escritos de Nietzsche e pela mitologia grega. Fortemente influenciada pela obra de Matisse, a pintura de Rothko pretendeu "aliviar o vazio espiritual sentido pelo homem moderno" ao mesmo tempo que devolvia o "reconhecimento estético necessário à libertação das energias inconscientes através de imagens, símbolos e rituais mitológicos". Ao observar alguns quadros de Mark Rothko não consegui decifrar os tais "símbolos místicos" nem senti "emoções básicas humanas como a tragédia, o êxtase ou o destino" de que as suas obras se revestem. Em vez de tudo isso reconheci uma pintura de indiscutível modernidade tendo em conta em época em que Rothko viveu. Mais: senti uma pintura onde quadrados e rectângulos de cores intensas e luminosas fazem uma barreira com o tempo, sem datas, que podia ter sido feita hoje e que convida a tranquilos momentos de contemplação.
Em 1970, aos 66 anos, Rothko foi encontrado morto. Tinha-se suicidado e a autópia revelado uma elevada dose de antidepressivos. O pintor que dedicou os últimos tempos da sua vida a um lento processo de auto-destruição com muita bebida, tabaco e uma alimentação deficitária, entrou em queda livre após lhe ter sido diagnosticado um aneurisma da aorta forçando-o a abrandar a sua produção artística.
Mark Rothko dizia-se um "fazedor de mitos". Viveu e morreu fiel a uma das suas máximas: "A experiência trágica fortificante é para mim a única fonte de arte". Gostei de conhecer este pintor e a sua inquietante personalidade.

3 comentários:

Anónimo disse...

Que interessante o seu post!

«não consegui decifrar os tais "símbolos místicos" nem senti "emoções básicas humanas como a tragédia, o êxtase ou o destino" de que as suas obras se revestem.»

Achei graça à sua leitura da obra. Gostei de Mark Rothko mas também, não vislumbro símbolos místicos.
A discussão entre técnica e arte é um tema fascinante.
A.R.

Anónimo disse...

Gosto imenso de Rothko. Não me perguntem porquê...
M.

LUIS BARATA disse...

Regresso em grande! Ao ler o teu post não pude deixar de recordar um aula de Estética com José Gil onde se falou de Rothko, de que também gosto, e do efeito que este pintor tem sobre quem contempla os seus quadros. As emoções ficam à flor da pele.