Prosimetron

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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O retrato

«[...] As senhoras exigiam sobretudo que o retrato representasse apenas o espírito e a personalidade, que não fosse fiel a tudo o resto, que limasse algumas arestas, que atenuasse todos os defeitos e até, se possível, que os evitasse de todo. Em suma, que o rosto se tornasse atraente, ou até que despertasse paixões. E como consequência, ao posar tomavam por vezes expressões tais que deixavam o pintor pasmado: uma tentava mostrar no rosto a sua melancolia, outra um ar sonhador, uma terceira queria a todo o custo reduzir a boca e comprimia os lábios até estes não serem mais do que um pontinho do tamanho de uma cabeça de alfinete. E apesar de tudo isto exigiam-lhe parecenças e uma espontaneidade desprendida. os homens não eram melhores. Um exigia ver-se representado com uma pose forte e enérgica da cabeça; outro com os olhos plenos de inspiração erguidos ao alto; um tenente da guarda exigia que nos seus olhos se visse Marte; um alto funcionário civil procurava que fosse grandes a honestidade e a dignidade no seu rosto e que a mão pousasse num livro no qual estivesse escritas legivelmente as palavras "Sempre defendo a verdade". Inicialmente tais exigências cobriam o pintor de suores: era necessário considerar, reflectir sobre tudo isto; e entretanto o prazo que lhe davam era apertado. por fim apercebeu-se do que se tratava e já não se incomodava nada. Com duas ou três palavras via logo como cada um queria ser representado. A quem queria Marte, punha-lhe na cara Marte; a quem queria Byron, dava-lhe a pose e a postura de Byron. Se as senhoras queriam ser Corina, Ondina ou Aspásia, concordava prontamente com tudo e até já acrescentava de mote próprio uma boa aparência que, como é sabido, não levanta problemas em lado algum e pela qual se perdoa por vezes ao pintor a falta de parecença. Em breve até ele próprio se admirava com a maravilhosa rapidez e agilidade do seu pincel. E os retratados, naturalmente, ficavam deliciados e aclamavam-no como um génio.»
Nikolai Gogol
In: O retrato / trad. Tatiana Carmo. Vila Nova de Famalicão: Quasi, 2008, p. 46-47

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