Prosimetron

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sábado, 18 de julho de 2009

Sou Hamlet, sim, o dinamarquês


Hamlet integra inquestionavelmente o elenco dos ícones supremos do teatro clássico. Habitualmente conotado com um personagem vestido de preto, declamando to be or not to be no terceiro acto e segurando em sua mão uma caveira no quinto, é conhecido e reconhecido em qualquer idioma, em qualquer civilização nos quatro cantos do mundo. Talvez partilhe o estatuto inatingível de um Édipo, Fausto ou Peer Gynt, não tendo, mesmo assim, escapado a múltiplas sátiras ou abordagens cómicas ao longo dos 400 anos da sua existência.

Quem é então este príncipe da Dinamarca? Hamlet permanece um enigma difícil ou impossível de desvendar, independentemente da qualidade interpretativa e da encenação de uma produção. Neste contexto, o público equipara-se com os restantes personagens da peça shakespeariana: criamos a sensação de conhecer Hamlet intimamente no decorrer da narrativa, na incapacidade, porém, de alguma vez poder captar e definir a multiplicidade do protagonista de forma integral e satisfatória. Não é a verdade absoluta sobre o seu carácter que Hamlet nos transmite. Suas palavras proporcionam-nos uma introspectiva que associa os medos mais profundos de Hamlet à questão sobre o sentido e o significado de uma vida humana em geral. Que fazem indivíduos como eu rastejando entre o céu e a terra?
Quer a tentativa de compreender a Humanidade, quer a percepção das virtudes e falhas de cada indivíduo, resultam, no entender de Hamlet, da Providência Divina que o príncipe aceita como poder máximo e absoluto. Conciliar esta providência com o mal da terra, constitui um desafio que Hamlet não encara de ânimo leve. Todavia, o protagonista arrisca deliberadamente “a sua alma”, ao ingressar num percurso vingativo, usurpando assim o direito (exclusivo?) de Deus de castigar e punir o ser humano. A tragédia abunda de incidentes violentos e de motivações contraditórias dos principais personagens.
A presumível loucura em que Hamlet se encontra, é objecto de interrogação constante ao longo da peça, quer por parte de Cláudio, tio (padrasto), e de Gertrud, a mãe, por motivos de auto-defesa, quer por parte do próprio príncipe por motivos de uma auto-descoberta. No entanto, esta auto-descoberta estende-se a todos os protagonistas da peça e, em última análise, a todos nós. No contexto estrito da trama, vivemos o to be or not to be aquando da tentativa de Polónio de entender a veracidade do amor de Hamlet por Ophelia. Mas to be or not to be aplica-se igualmente ao desejo de Cláudio de encontrar, em vão, paz nas suas preces após o crime cometido contra o seu irmão, pai do jovem príncipe. To be or not to be atinge Gertrud por ter colaborado com Cláudio. To be or not to be alastra-se rapidamente aos restantes intervenientes da peça.

To be or not to be explica talvez o sucesso e a actualidade desta obra única ao longo de quatro séculos - a ansiedade da Humanidade de querer entender em pleno a sua existência e a frustração ao reconhecer, mais cedo ou mais tarde, a impossibilidade de tal empresa.

Nota: algumas considerações são da autoria de Russell Jackson, professor de Arte Dramática da Universidade de Birmingham; as imagens mostram Jude Law numa magnífica interpretação de Hamlet, a decorrer no Wyndham’s Theatre de Londres (produção do Donmar Warehouse) até 22 de Agosto. Mas não se entusiasmem: a peça está esgotada há meses.

3 comentários:

ana disse...

Belo post, adorei.

LUIS BARATA disse...

Enquanto a humanidade durar, esta peça será seguramente representada.

Anónimo disse...

Gosto de encenações modernas e clássicas...muitas pessoas que conheço não gostam de adaptações modernas.
"Open mind" é o que sigo como lema e às vezes temos agradáveis surpresas!
Gostei especialmente da seguinte afirmação:

"To be or not to be explica talvez o sucesso e a actualidade desta obra única ao longo de quatro séculos - a ansiedade da Humanidade de querer entender em pleno a sua existência e a frustração ao reconhecer, mais cedo ou mais tarde, a impossibilidade de tal empresa".
A.R.