Prosimetron

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sexta-feira, 6 de março de 2009

O Leitor - 1


«Hanna? A mulher sentada no banco era a Hanna? Cabelos grisalhos, um rosto com profundos sulcos verticais na testa, nas faces, á volta da boca, e um corpo pesado. Trazia um tenso vestido azul claro, demasiado apertado no peito, barriga e ancas. As mãos estavam pousadas no colo e seguravam um livro. Não estava a ler. Observara, por cima dos seus óculos de ler, uma mulher que deitava migalhas de pão a alguns pardais. Depois, notou que estava a ser observada e virou a cara para mim.
«Vi a expectativa no seu rosto, vi-o resplandecer de alegria ao reconhecer-me, vi os seus olhos percorrerem o meu rosto ao aproximar-me, vi os seus olhos procurarem, perguntarem, ficarem inseguros, e vi apagar-se o resplendor no seu rosto. Quando cheguei perto dela, fez um sorriso amável, cansado. – Cresceste, miúdo. – Sentei-me ao seu lado e ela agarrou-me na mão.
«Antigamente eu gostava muito do seu cheiro. Cheirava sempre a fresco: a lavada de fresco ou a roupa lavada de fresco ou a suor fresco. Por vezes punha perfume, não sei qual, e também esse aroma era como tudo o resto: fresco. Debaixo desse aroma fresco havia ainda um outro, um cheiro mais denso, mais obscuro, áspero. Muitas vezes a farejei como um animal curioso, começava no pescoço e nos ombros, que cheiravam a acabados de lavar, sorvia o cheiro fresco a suor entre os seios, que se misturava nos sovacos com o outro cheiro, encontrava esse outro cheiro, denso e obscuro, quase puro, na cintura e na barriga e num colorido aromático entre as pernas, que me excitava; também cheirava as suas pernas e os seus pés […].
«Agora, estava sentado ao lado de Hanna e cheirava-me a velha. Não sei de onde vem esse cheiro que conheço de avós e de velhas tias e que paira como uma maldição nos quartos e corredores dos asilos de idosos. A Hanna era demasiado nova para ele. [...]
«Tinha-me reecontrado com a Hanna estava ela sentada num banco, e era uma velha. Tinha o aspecto de uma velha e cheirava a velha. Não tomara atenção à sua voz. A voz continuava muito jovem.»
Bernhard Schlink
In: O leitor. 5.ª ed. Porto: Asa, 2009, p. 128-129, 133

Acabei de ler o livro hoje. Tem sido a minha leitura de metro nos últimos dias. Até hoje, o filme agradava-me mais, pela sua subtileza. Mas as últimas 20 páginas do livro são comoventes - abalaram-me mais que o filme. E o filme mexeu comigo.

3 comentários:

ana disse...

O filme também mexeu comigo e o livro muito mais e foi graças ao Filipe Vieira Nicolau que chamou a sua atenção.

João Mattos e Silva disse...

Não li o livro. A curiosidade é muita, mas o filme deixou-me como se tivesse levado uma pancada na cabeça. Não sei se consigo. Ou talvez tenha mesmo de conseguir. Perscrutar a alma das pessoas sempre me fascinou,assim como o belo e como o horrendo, como o bem e como o mal.Vou tomar fôlego. Depois talvez seja capaz.

Jad disse...

O livro já me foi dado! Mas ainda não chegou a sua hora... aguardo pela chegada da Primavera! Até lá fico com o cheiro do filme e não só...