Prosimetron

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quinta-feira, 4 de março de 2010

Da minha biblioteca - 5

Este volume editado na muito interessante colecção Figuras Míticas da Pergaminho há já 10 anos ( data a primeira edição, a que tenho, do ano 2000 ) reúne cinco ensaios sobre a imortal criação de Lewis Carroll que abrangem vários tópicos: a história da ilustração dos livros, a "geografia" do País das Maravilhas, a criança vitoriana e last but not least a relação de Carroll com a fotografia. É do ensaio que aborda esta última temática ( Novas madonas a inventar: Alice na câmara clara ), escrito pelo filósofo e historiador da cultura alemão Michael Wetzel, que provém o trecho que se segue, ilustrado por uma das mais fascinantes ( e perturbantes ) fotografias que Lewis Carroll tirou a Alice Lidell.




(...) Esta história dum apaixonado repelido, que tem que travar conhecimento com toda a família da jovem antes de se encontrar a sós com ela para lhe tirar a fotografia, pode ser tida como a imagem do próprio Carroll fotógrafo. Porque também ele perseguia um nome, o de Alice. Certamente que, de início, era uma menina real, Alice «Pleasence» Liddell, que lhe proporcionava, como é referido num jogo de palavras, o « prazer da vida». E isso tinha justamente começado por um contacto através da lente do aparelho fotográfico, apenas alguns meses após a estreia fotográfica de Carroll. Estamos, portanto, ante uma paixão óptica, que acaba com cartas de amor queimadas, placas fotográficas quebradas, páginas de diário rasgadas e, mesmo em 1880, por ocasião do casamento de Alice- com quem já não tinha relações há muito tempo- com o súbito e inexplicável abandono da fotografia. A censura vitoriana, proibindo a Carroll o «droit de regard», tinha acabado por contaminar o país das maravilhas fotográficas, não deixando senão a ferida aberta dum amor não-consumado e impossível- mas também os dois contos que fizeram da menina um mito.

(...)
esta paixão óptica é duma tal intensidade que os retratos que dela resultam ultrapassam de muito longe a menina real, na sua beleza piegas. Alice Liddell, que tinha quatro anos e meioquando Carroll a descobriu, em companhia das suas duas irmãs, Lorina e Edith, nos jardins do colégio, rapidamente se torna o seu modelo preferido, ainda que, ao longo da sua vida de fotógrafo, ele tivesse fotografado centenas de outras meninas. O facto é que, mais do que qualquer outra, Alice incarna esse ideal erótico do qual Carroll se fez mitógrafo; não é apenas a delicadeza dos seus retratos que marca, mas também o seu extraordinário erotismo, a sua capacidade de suscitar os fantasmas de quantos os contemplam. Brassaï, comentando o retrato de Alice como jovem mendiga, escreve:

Alice, de pé, diante duma parede sórdida, pernas e pés desnudados, olha-nos com grande tristeza. A camisa está rasgada, arrancada, em farrapos, o corpo desnudado, como se tivesse acabado de sofrer uma violação.

3 comentários:

ana disse...

Luís,
Quero fechar os olhos... :)

Se conseguir bilhete vou ver Alice... Não conhecia este livro, mas julgo que já falou nele há uns tempos.

Miss Tolstoi disse...

Também penso ir hoje ver o filme. Realmente, é capaz de não ser fácil arranjar bilhetes.

Anónimo disse...

Mesmo quando se fecha os olhos, a realidade continua a existir...:)
J.