Prosimetron

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sábado, 6 de março de 2010

A. S. : Escolhas Pessoais XX

Juan Ramón Jimenez


Retrato de Jimenez por Sorolla

O que talvez melhor sintetize a poesia de Juan Ramón Jimenez (1881-1958) é a sua constante evolução e aperfeiçoamento, ao longo da vida do poeta. Ou uma ascese até “Dios Deseado y Deseante”- seu último conjunto de poemas. Mas desenganemo-nos, porque Jimenez não é um poeta religioso. Das suas “…três vocações declaradas – a mulher, a obra, a morte” – como ele referiu, Deus está arredado. Ou é apenas um símbolo e um motivo irradiante. Muito mais despojado e imaterial do que o foi na poesia de S. Juan de la Cruz e Sta. Teresa de Ávila. O misticismo de Juan Ramón Jimenez é um misticismo laico ( um pouco à maneira de José Régio) e descarnado (“Raízes e asas. Mas que as asas ganhem raízes / e as raízes voem.”). De um rigor e austeridade extremos, o sentido crítico do Poeta exerce-se implacavelmente em tudo aquilo que escreveu e, incessantemente, corrigiu em sucessivas antologias que foi publicando. A sua preocupação sempre foi atingir o “essencial” ( evitando os “borradores silvestres” juvenis) ou, para usar ainda palavras dele: “Bendito el llamado defecto, que no lo es, y que nos salva de la odiosa perfección” e “Ningún dia sin romper un papel…Mi mejor obra es mi constante arrependimiento de mi Obra”. Não se pense, no entanto, que a sua obra é seca e árida: estão aí “Platero y yo” (1914) e “Diário de un Poeta Reciencasado” de 1916 para provar o contrário e mostrar a capacidade do seu humor e ironia nos comentários, bem dispostos, que faz aos Estados Unidos da América – no último dos livros referidos. Porque os seus derradeiros livros são mais complexos e interagem no seu todo, através duma longa respiração de leitura – a exemplo das obras de Saint-John Perse, ou algum Eliot – privilegiei a tradução de poemas mais curtos do início da maturidade de Juan Ramón Jimenez, onde o lirismo tem um papel preponderante.

TU

Passam todas verdes, rubras…
Tu estás mais além, branca.
Todas barulhentas, ácidas…
Tu estás mais além, plácida.
Passam manhosas, levianas…
Tu estás mais além, casta.


Quadro de Picasso

A sua musa principal identificou-se, a partir do casamento (1916), com a mulher Zenobia Camprubi (1887-1956) que, quando J. R. Jimenez recebeu a notícia do Nobel, em 1956, já se encontrava moribunda e viria a falecer poucos dias depois. O Poeta na altura disse: “…el Premio Nobel me apena profundamente. Yo cuanto a mí, no tengo nada que decir”. Seguem-se dois anos de viuvez e recolhimento em Porto Rico, onde habitava havia tempo, num estado depressivo acentuado que estava já longe da plenitude e beleza lírica que produziram, por exemplo:

LUA CHEIA

A porta está aberta;
O grilo cantando.
Andarás tu nua
Pelo campo?
Como que água eterna
Por tudo entra e sai.
Andarás tu nua
Pelo ar?
A segurelha não dorme,
A formiga trabalha.
Andarás tu nua
Pela casa?

Era a altura de acabar a obra. Ou como ele disse, e para sempre, em “O Poema”: “Não lhe toques mais / porque é assim a rosa!”.

P. S. : A JAD, pela atenção e gentileza. Com amizade.

Post de Alberto Soares

4 comentários:

MR disse...

Que beleza de poemas! Vou ler JRG que quase desconheço como poeta.
Obrigada!

ana disse...

Lindos! A simplicidade faz como se fossem uma cascata, correm sem atropelos nem artifícios. Já tinha lido alguma coisa deste poeta. Um amigo meu viveu em Madrid, quando esteve a fazer um estudo na Complutense. Mas não tenho nada dele vou ver se arranjo.

Estes dois versos são lindíssimos:
“Não lhe toques mais / porque é assim a rosa!”.
Não conhecia este quadro do Picasso, ou pelo menos não me lembro dele.
Obrigada.

Jad disse...

Obrigado.
Tal como "que as asas ganhem raízes / e as raízes voem" eu por vezes julgo que o futuro é o passado.
Vou meditar e tentar aplicar o último verso.

Anónimo disse...

Hoje deve ser dia de Bernardo Soares: «Vivo sempre no presente. O futuro não o conheço. O passado, já não o tenho.»
Não concordo com a terceira frase. É verdade que já passou, mas alguma coisa (ou muitas) temo-la(s) em nós. E se são boas, ainda bem.
M.