Prosimetron

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segunda-feira, 1 de março de 2010

Coisas do céu... 18

Giovanni Papini (1881-1956)


Tinha-me esquecido da ironia satírica de Giovanni Papini. Um pedaço deste domingo foi ocupado a procurar os livros comprados nos anos 80 sobre o autor. Descobri O Livro Negro, O Diabo, Gog e não encontrei O Último Livro de Gog. Foi com prazer que folheei e reli algumas páginas. Deixo aqui este excerto:

"Contra o Céu

Saint Moritz, 2 de Agosto.

O Céu desagrada-me. Nalguns momentos, faz-me também sofrer. Então não o posso sequer enxergar, pois não sei como me vingar e feri-lo. Sinto-me irmão dos citas, que lançavam as suas flechas contra o Sol e as nuvens. Em suma, para ser franco, ao menos comigo próprio, odeio o Céu. E com a pior espécie de ódio: com o ódio impotente.
Não que ame demasiado a Terra. A Terra é exigua, suja, monótona e povoada, mais do que o necessário, de pequenos pedaços de barro falante que a desfiguram e a tornam mais repugnante ainda.
Mas aqui sentimo-nos em nossa casa, senhores para fazer e desfazer, para nos movermos à vontade. (...)
O Céu, porém, está distante, afastado, é imodificável, hostil. Não temos poder sobre o Céu. (...) É preciso suportar o vento que sopra, esperar o beneplácito da chuva, sofrer semanas e meses de serenidade tórrida. (...)
Mas o que odeio mais ferozmente é o Céu superior, é o Firmamento. Tolero o Sol bestial, com o seu rosto de fogo cheio de manchas, por causa da sua utilidade; mas a noite, as estrelas! O infinito não me atemoriza; desagrada-me e ofende-me. Para sofrer a humilhação da minha pequenez, bastava a Terra. A provocação do Céu estrelado é desproporcionada, prepotente, vergonhosa. Aqueles dois milhões de sóis que aparecem aos meus olhos, como átomos desordenados de luz eléctrica - que têm a ver comigo? Que querem? Para que servem? Porque tornam todas as noites, chamas milenárias a insultar a brevidade dos meus dias neste recanto vazio? O Céu é uma injúria perpétua e insuportável. (...)
Invejo os habitantes de Vénus, porque, ao que se diz, o seu planeta está quase envolto em vapores. É-lhes impedida a visão irritante lucilar das inúteis constelações e daquela odiosa Va Láctea, que atravessa o firmamento com uma fumarada de embuste fosforescente.
Os poetas, idiotas como crianças, extasiam-se diante dos vagalumes errantes do Infinito. Para mim, que, por fortuna ou desgraça, não sou versificador nem místico, o Céu é apenas o velário sinistro onde leio todas as noites a sentença da minha irremediável nulidade.x

Giovanni Papini, Gog, Lisboa: Edição Livros da Brasil, sd. p. 167-169.
Agradeço a APS que o tornou vivo!
Só mais um apontamento: gosto do céu.

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